(Progress and
Confusion – The State of Macroeconomic Policy é uma obra da MIT Press que me
acaba de chegar às mãos e que sistematiza os principais resultados de uma
conferência do FMI de abril de 2015. É uma boa oportunidade para
tentar compreender o autismo e a inércia da macroeoconomia dominante em
compreender que 2007-2008 constitui um marco de mudança)
Iniciei as minhas
tarefas universitárias na segunda metade dos anos 70 com praticamente a chamada
estagflação (coexistência de desemprego e de níveis elevados de variação dos
preços) a questionar vivamente a teoria macroeconómica então predominante. Na
altura, predominava já uma síntese adaptada da teoria keynesiana, que costuma ser
associada à síntese de Hicks e que deu origem à muito conhecida dos alunos de
macroeconomia abordagem IS-LM. Em formações mais avançadas, ensinava-se uma fórmula
mais avançada dessa síntese, por alguns designada de neo-keynesianismo que
haveria de influenciar a grande maioria dos modelos macroeconómicos que suportavam
então a ação dos Bancos Centrais ou dos principais organismos de previsão
macroeconómica.
A estagflação da época
desafiava sobretudo a conhecida relação entre taxa de inflação e taxa de desemprego,
entendida na altura essencialmente como uma relação de pendente negativa, ou
seja, a uma taxa de inflação mais elevada tenderia a corresponder uma menor
taxa de desemprego.
Mais importante do que a
complexidade do puzzle que a estagflação colocava à chamada curva de Philips,
foi a forte contraofensiva neoclássica que Robert Lucas Jr. e Thomas Sargent
lançaram à política económica de raiz keynesiana. Não é propósito deste post
embrenhar-se pela crítica de Lucas à política económica. É antes importante
assinalar que o argumento visava algo em torno desta ideia: a política económica
pública pode ser ineficaz ou até nefasta (a diferença entre estas duas avaliações
não é despicienda) porque os agentes económicas podem antecipar os seus efeitos
e reagir em conformidade, anulando a sua observação futura.
Este argumento tem várias
variantes. Duas merecem referência particular.
A primeira variante
prende-se com a possibilidade dos agentes económicos anteciparem o despesismo público.
Uma despesa pública mais elevada hoje deve um dia ser financiada por impostos e
por isso os consumidores podem poupar hoje para poderem pagar esses impostos
amanhã. É um argumento que não tem prova possível, porque é inter-temporal. Por
ironia das ironias, é conhecido pelo princípio da equivalência Ricardiana,
metendo David Ricardo ao barulho quando o seu contributo para a teoria económica
nem por sombras deve ser por este aspeto recordado.
A segunda variante é o célebre
argumento do crowding-out do
investimento público. Para ser financiado por endividamento esse investimento público
pressionaria em alta as taxas de juro e por essa via tenderia a reduzir o
investimento privado, anulando os efeitos da política pública. Em ambiente de
taxas de juro nulas ou negativas como o que vivemos hoje, o argumento não tem
ponta por onde se lhe possa pegar.
Embora na altura
bastante distante e crítico desta contraofensiva neoclássica, lembro-me então
de reconhecer que a teoria macroeconómica poderia ser acusada de muitas coisas,
mas não de autismo, de inércia ou indiferença face às evidências da época. Valeria
por certo uma tese de doutoramento ou várias interrogar-nos sobre as razões que
terão determinado o campo fértil para o florescimento da contraofensiva neoclássica,
ou por outras palavras, o enterro prematuro de Keynes e dos seus fundamentos
macro para a política macroeconómica. Mas a verdade nua e crua é que a
contraofensiva neoclássica utilizou a preceito a estagflação e a incapacidade dos
modelos macro da época para prever o fenómeno para substituir o rigor teórico e
lógico de Keynes pelo rigor do formalismo, construído em função de pressupostos
que não correspondem à economia real em que vivemos, trabalhamos, investimos ou
simplesmente consumimos. A política económica e a abordagem keynesiana passou
rapidamente a ser associada ao esquerdismo público e ao favorecimento das
burocracias de Estado e entre pares grande parte dos economistas não resistiu à
sereia do formalismo. Por mais que o prestígio intelectual de Lucas e seus
seguidores mereça alguma atenção, há aqui uma convergência de certas ideias com
uma agenda política de desacreditação do público, de glorificação do mercado e
da livre iniciativa, que encontrou nas teses de Lucas as tábuas sagradas para tão
grande saga de varrimento da conflitualidade da economia.
Pois bem, 2007-2008
representou um grande murro nas trombas dos grandes arautos da contraofensiva
neoclássica. Um murro daqueles que deixam marcas, que não apenas o atordoamento
do embate. A prova é que alguns dos expoentes dessa contraofensiva transformada
em poderio instalado reagiram entre outras maneiras por negação da evidência. O
argumento então utilizado da falência dos modelos macro na previsão da
estagflação como fonte de demolição da teoria reinante parece já não poder ser
aplicado. 2007-2008 seria uma turbulência passageira. Recordo-me, como o tempo
passa neste blogue, de ter aqui mencionado pela primeira vez em Portugal a
relevância das entrevistas que John Cassidy, economista da New Yorker, fez aos
gurus da economia de Chicago e como praticamente todos eles, Richard Posner foi
a única exceção, negaram a evidência, continuando a confiar na santa racionalidade
dos mercados. De facto, perder poder é uma grande chatice, até porque se trata
de poder bem remunerado, afinal as agendas políticas pagam bem aos santos da
racionalidade.
O argumento da
transitoriedade caiu por terra com a passagem do tempo. Oito anos são já uma
eternidade. Mas importa perguntar por que razão a macroeconomia não teve face às
consequências de 2007-08 uma reação similar à que ocorreu face à revelação da
estagflação dos anos 70? Porque não aconteceu uma contraofensiva de sinal contrário?
Haverá aqui diferenças de valia intelectual entre quem protagonizou a primeira
e poderia ter gerado a segunda?
A minha explicação
aponta para algo de muito simples: a contraofensiva neoclássica dos anos 70
teve a suportá-la e a financiá-la em termos de investigação e de notoriedade
uma poderosa agenda política privatizante e glorificadora do mercado; a possível
contraofensiva que hoje poderia acontecer não tem essa agenda política de
suporte e nas universidades o poder instalado pela contraofensiva dos 70 está
ainda fortemente enraizada. Krugman interrogou-se recentemente sobre o problema
e Brad DeLong acaba de realizar uma conferência notável sobre as razões que justificam
o primado ainda observado do princípio da confiança dos mercados como racionalizador
da austeridade em contexto de lower zero
bound. Nos últimos tempos porém, a macroeconomia tem-se agitado. Em 2012, Summers
e DeLong assinaram um artigo decisivo para demonstrar que, em contexto de zero lower
bound, o endividamento (dos que o podem fazer, esclareça-se para um qualquer
tolinho do Bloco começar a asneirar) colhe benefícios e gera pelo estímulo fiscal
sobre o produto a compensação mais do que necessária. Gauti Eggertsson e outros
(incluindo o próprio Summers) acabam de publicar na NBER – USA um artigo relevante
para explicar a propagação internacional da estagnação secular. O livro que
serve de mote a este post, organizado
por Olivier Blanchard, Raghuram Rajan, Kenneth Rogoff e Lawrence Summers traz
para a academia a discussão no interior de uma conferência do FMI. Mas continua
a faltar a agenda política que poderia enquadrar a contra-contraofensiva. Dito
de outro modo, a crise da social-democracia e a má consciência crítica que a
esquerda democrática e liberal deixou que se instalasse em relação à intervenção
pública prejudicam seriamente a revisão do estado das coisas. Ou dito ainda de
outra maneira, já não há economistas com o poder decisivo de convencer políticos
mais arrojados. Tristes tempos estes.
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