(Curiosamente,
quando a luta eleitoral em torno do referendo para o BREXIT está ao rubro, é que têm surgido contributos de pensamento
e opinião mais relevantes)
Vá lá saber-se porquê
enquanto as sondagens de opinião começam a dar vantagem ao LEAVE, as casas de
apostas continuam a prognosticar a vitória do REMAIN. A contagem decrescente
para o 23 faz-se com uma maior intensidade do radicalismo de opinião e pressente-se
no ar que muito do apoio ao LEAVE vem de um certo desencanto da working class britânica, a qual embora
não sabendo rigorosamente se as raízes do desencanto estão na União Europeia
começam paradoxalmente a encarar o LEAVE como manifestação pública da sua
incomodidade. Paradoxal, porque ainda recentemente tiveram oportunidade de
castigar o governo Cameron/Osborne de outra maneira, derrotando-o nas urnas e
não o fizeram, e agora apoiam um processo que pode ter consequências nefastas
para essa mesma working class.
Poderíamos discutir se
um choque como o de uma eventual saída do Reino Unido da União Europeia poderia
constituir uma oportunidade saudável de revisão de rumo e sobretudo de
clarificação desta situação “a meio do court”,
em que nem se aprofunda a integração nem se reconquista a participação dos
parlamentos nacionais. Talvez possa voltar a essa oportunidade em posts seguintes. Mas, por agora, o que
me interessa aqui destacar é que, no meio da radicalização do choque de
argumentos LEAVE versus REMAIN, têm surgido contributos relevantes de
pensamento e opinião. Vou tentar cruzar alguns desses contributos.
Começaria pela aplicação
ao problema do BREXIT do chamado trilema da globalização de Dani Rodrik, que eu
próprio já tinha ensaiado em algumas das minhas intervenções públicas mais
recentes, mas em relação à qual me sinto mais confortado agora que o próprio
Rodrik a ensaiou ele próprio esta semana no seu blogue pessoal.
O trilema de Rodrik
constitui uma das ideias mais originais que vieram a público nos últimos anos
acerca da encruzilhada em que a globalização se encontrava já antes de
2007-2008 e que está hoje mais clara. A ideia é muito simples. Não é possível
no quadro atual institucional, atingir simultaneamente estes três objetivos:
aprofundar a integração económica e financeira da globalização, manter os
princípios do Estado-nação e respeitar a democracia com os seus valores e
práticas fundamentais e reconhecidas. Dito de outra maneira, no presente, a
globalização estará já, para se afirmar, a romper um destes três objetivos: ou
recua a integração económica, ou se passa por cima do Estado-nação ou se rompem
as bases democráticas das sociedades envolvidas.
Quando comecei a
incorporar nas minhas aulas sobre globalização o trilema de RODRIK, tive a intuição
que ele poderia constituir um instrumento de pensamento poderoso para aplicar
na discussão dos rumos da construção europeia, não perdendo de vista que essa
construção faz parte e integra o próprio processo de globalização. Ora, agora a
pretexto do BREXIT, é o próprio RODRIK que o faz e por isso é seguramente mais
seguro que a minha intuição. O que é curioso (as ideias são como as cerejas e
como estão este ano escassas e bastante caras também as ideias o são) é que
RODRIK chega ao tema através de outro dos contributos que considero dos mais
relevantes dos últimos dias, o de Ambrose Evans-Pritchard do Telegraph. Aliás,
já em março deste ano, Martin Sandbu do Financial Times tinha discutido o
BREXIT usando também o trilema de Rodrik.
A aplicação literal do
trilema leva-nos a concluir que o aprofundamento da integração económica na
União exige para respeitar os princípios da democracia a superação do
Estado-Nação com o nascimento de uma democracia transnacional. Este é o
pensamento por exemplo de personalidades como Cohen-Bendit ou mesmo Varoufakis,
que pode explicar-se essencialmente com este argumento: as democracias
nacionais nos tempos que correm da organização económica mundial não têm forças
para impor o primado do político sobre o económico e daí a necessidade de uma
integração política na Europa para assegurar a tal democracia transnacional.
A questão relevante é que para muita gente foram perdidas as ilusões
de que a integração política europeia possa desembocar numa democracia transnacional.
É nesse campo que se situa o texto de Ambrose Evans-Pritchard um apoiante atípico
do Brexit. Para o cronista do Telegraph a defesa do Brexit é apenas a defesa da
supremacia do Parlamento britânico. Vale a pena citar pela contundência e
aspereza do argumento: “Hoje, a UE é uma
meia casa desformada que ninguém quis. Estamos a decidir se queremos ser
guiados por uma Comissão com poderes quase executivos que opera em termos
semelhantes aos de um sacerdócio do papado do século XIII e não os de serviço público
moderno; e se queremos submeter-nos a um Tribunal Europeu que reivindica uma
supremacia abrangente, sem qualquer direito de apelo.”
Duro, não? O artigo de Pritchard
vale a pena ser lido pela dureza e crueza da sua argumentação, que é essencialmente
política e que não toca no imaginativo contraponto de argumentos de base económica
e financeira, comparando custos e benefícios de sair ou ficar na União. Que é por
exemplo a posição de Martin Wolf, apoiante do remain e que escreve no Financial Times uma espécie de mini-manual
dos efeitos perniciosos da saída.
Finalmente, vasto
material que vale a pena ler, pela imagem da União Europeia que ele transmite.
E já agora para terminar
uma cartografia simples do peso relativo do Leave ou do Remain por todo o território
do Reino Unido, através de uma reportagem do El País que segue a via férrea
mais comprida do Reino.
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