quinta-feira, 16 de junho de 2016

LEAVE OR REMAIN: O BREXIT AO RUBRO




(Curiosamente, quando a luta eleitoral em torno do referendo para o BREXIT está ao rubro, é que têm surgido contributos de pensamento e opinião mais relevantes)

Vá lá saber-se porquê enquanto as sondagens de opinião começam a dar vantagem ao LEAVE, as casas de apostas continuam a prognosticar a vitória do REMAIN. A contagem decrescente para o 23 faz-se com uma maior intensidade do radicalismo de opinião e pressente-se no ar que muito do apoio ao LEAVE vem de um certo desencanto da working class britânica, a qual embora não sabendo rigorosamente se as raízes do desencanto estão na União Europeia começam paradoxalmente a encarar o LEAVE como manifestação pública da sua incomodidade. Paradoxal, porque ainda recentemente tiveram oportunidade de castigar o governo Cameron/Osborne de outra maneira, derrotando-o nas urnas e não o fizeram, e agora apoiam um processo que pode ter consequências nefastas para essa mesma working class.

Poderíamos discutir se um choque como o de uma eventual saída do Reino Unido da União Europeia poderia constituir uma oportunidade saudável de revisão de rumo e sobretudo de clarificação desta situação “a meio do court”, em que nem se aprofunda a integração nem se reconquista a participação dos parlamentos nacionais. Talvez possa voltar a essa oportunidade em posts seguintes. Mas, por agora, o que me interessa aqui destacar é que, no meio da radicalização do choque de argumentos LEAVE versus REMAIN, têm surgido contributos relevantes de pensamento e opinião. Vou tentar cruzar alguns desses contributos.

Começaria pela aplicação ao problema do BREXIT do chamado trilema da globalização de Dani Rodrik, que eu próprio já tinha ensaiado em algumas das minhas intervenções públicas mais recentes, mas em relação à qual me sinto mais confortado agora que o próprio Rodrik a ensaiou ele próprio esta semana no seu blogue pessoal.

O trilema de Rodrik constitui uma das ideias mais originais que vieram a público nos últimos anos acerca da encruzilhada em que a globalização se encontrava já antes de 2007-2008 e que está hoje mais clara. A ideia é muito simples. Não é possível no quadro atual institucional, atingir simultaneamente estes três objetivos: aprofundar a integração económica e financeira da globalização, manter os princípios do Estado-nação e respeitar a democracia com os seus valores e práticas fundamentais e reconhecidas. Dito de outra maneira, no presente, a globalização estará já, para se afirmar, a romper um destes três objetivos: ou recua a integração económica, ou se passa por cima do Estado-nação ou se rompem as bases democráticas das sociedades envolvidas.

Quando comecei a incorporar nas minhas aulas sobre globalização o trilema de RODRIK, tive a intuição que ele poderia constituir um instrumento de pensamento poderoso para aplicar na discussão dos rumos da construção europeia, não perdendo de vista que essa construção faz parte e integra o próprio processo de globalização. Ora, agora a pretexto do BREXIT, é o próprio RODRIK que o faz e por isso é seguramente mais seguro que a minha intuição. O que é curioso (as ideias são como as cerejas e como estão este ano escassas e bastante caras também as ideias o são) é que RODRIK chega ao tema através de outro dos contributos que considero dos mais relevantes dos últimos dias, o de Ambrose Evans-Pritchard do Telegraph. Aliás, já em março deste ano, Martin Sandbu do Financial Times tinha discutido o BREXIT usando também o trilema de Rodrik.

A aplicação literal do trilema leva-nos a concluir que o aprofundamento da integração económica na União exige para respeitar os princípios da democracia a superação do Estado-Nação com o nascimento de uma democracia transnacional. Este é o pensamento por exemplo de personalidades como Cohen-Bendit ou mesmo Varoufakis, que pode explicar-se essencialmente com este argumento: as democracias nacionais nos tempos que correm da organização económica mundial não têm forças para impor o primado do político sobre o económico e daí a necessidade de uma integração política na Europa para assegurar a tal democracia transnacional.

A questão relevante é que para muita gente foram perdidas as ilusões de que a integração política europeia possa desembocar numa democracia transnacional. É nesse campo que se situa o texto de Ambrose Evans-Pritchard um apoiante atípico do Brexit. Para o cronista do Telegraph a defesa do Brexit é apenas a defesa da supremacia do Parlamento britânico. Vale a pena citar pela contundência e aspereza do argumento: “Hoje, a UE é uma meia casa desformada que ninguém quis. Estamos a decidir se queremos ser guiados por uma Comissão com poderes quase executivos que opera em termos semelhantes aos de um sacerdócio do papado do século XIII e não os de serviço público moderno; e se queremos submeter-nos a um Tribunal Europeu que reivindica uma supremacia abrangente, sem qualquer direito de apelo.”

Duro, não? O artigo de Pritchard vale a pena ser lido pela dureza e crueza da sua argumentação, que é essencialmente política e que não toca no imaginativo contraponto de argumentos de base económica e financeira, comparando custos e benefícios de sair ou ficar na União. Que é por exemplo a posição de Martin Wolf, apoiante do remain e que escreve no Financial Times uma espécie de mini-manual dos efeitos perniciosos da saída.

Finalmente, vasto material que vale a pena ler, pela imagem da União Europeia que ele transmite.

E já agora para terminar uma cartografia simples do peso relativo do Leave ou do Remain por todo o território do Reino Unido, através de uma reportagem do El País que segue a via férrea mais comprida do Reino.



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