domingo, 19 de junho de 2016

O FADO DA INEFICÁCIA

(Jornal Público)



(Costuma ser em regra assim. Sobranceria primeiro, trabalho e muito depois mas falta de sorte. É assim o fado da ineficácia. Veremos se afugentada a sobranceria e com muito porfiar dará para colocar a Hungria no seu lugar.)

Há algo de recorrente nas prestações a seleção. Bipolaridade que baste, ilusões coletivas criadas com o discutido “Melhor do Mundo”, fraca propensão para jogar com equipas mais fracas, sobranceria primeiro, esforço extra depois e, após muito porfiar, ineficácia, muita ineficácia.

O jogo de ontem com a Áustria insere-se na transição da bipolaridade eufórica para a perceção do real. Jogámos bastante e trabalhámos muito. Ninguém o ignora. Alguma desorganização. Creio que o nosso FS, como deve ter rezado o homem estes dias, nunca terá experimentado com consistência o tridente Ronaldo, Nani e Quaresma, mas ontem experimentou-o. Os números do jogo não enganam. A avalanche diferenciada é inequívoca. Com aquela diferença de números, uma equipa menos insegura teria praticamente goleado. Mas os postes estão lá para alguma coisa e representam uma percentagem ínfima da superfície que tem de ser penetrada. A “angústia do melhor do mundo na marca de penalty” poderia ser o título de uma peça de teatro, transferindo a angústia do guarda-redes para o avançado, para representar o drama da ilusão coletiva a partir de uma competência individual excecional. É demasiada pressão sobre aquela cabeça e sobre aqueles ombros. A pressão do gel e sobretudo de toda a carga mediática que pesa sobre a carreira de Ronaldo seriam matéria bastante para derrotar qualquer um, o que não acontece. Mas ter um país nas costas é peso a mais. Num contexto destes, nem todos os santinhos do mundo ajudarão um desamparado Santos. Um exemplo: não está na cara que livres do lado direito do campo de quem ataca não são propícios ao pé esquerdo de Rafael Guerreiro? Ronaldo já marcou algum daquela posição? Isto não deveria estar fixado à partida? Na partida com a Islândia, não foi patético quase do meio campo Ronaldo tentar um livre direto, como naqueles jogos de escola de boa memória havia sempre um mais que tudo a querer resolver todos os problemas e a marcar todas as faltas, naquele modelo de a bola é minha, joga quem quiser?

Abandonada a sobranceria e a euforia, faremos contra a Hungria o que sabemos fazer, porfiar, trabalhar até ao limite, esperando que a eficácia apareça. Se não aparecer, o país entrará numa curta deceção, mas nada que não conheçamos doutras alturas e continuamos por cá, as férias aparecerão com Jogos Olímpicos e tudo. É certo que os problemas da Caixa e do sistema financeiro ganharão outra expressão, o futebol será esquecido por uns tempos, mas a Supertaça já se desenha no horizonte.

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