sexta-feira, 24 de junho de 2016

IMIGRAÇÃO E MODELO ECONÓMICO




(Como a mais recente informação sobre população estrangeira imigrada em Portugal reflete com algum desfasamento temporal o modelo económico de que a economia portuguesa está a tentar libertar-se.)

O Público de um destes últimos dias ofereceu-nos uma notícia bem documentada sobre os mais recentes dados sobre a população estrangeira imigrada em Portugal, proveniente do Relatório de Imigração, Fronteiras e Asilo 2015. Trata-se de matéria relevante e proporciona-nos mais uma perspetiva sobre que evolução de modelo económico estará o país a promover.

O panorama evolutivo recente caracteriza-se em muito poucas palavras: descida acentuada de população imigrada de expressão portuguesa, incluindo os brasileiros, mesmo assim representando cerca de 21% do total de população imigrada em Portugal; descida também observada, embora a um ritmo menos elevado, de população imigrada com origem na Europa central e de leste; em contrapartida, aumento de população com origem em países europeus, com destaque para França, Itália e Reino Unido.

O que é que estes números e tendências traduzem em termos de modelo económico? A pergunta é óbvia. As decisões individuais que conduzem as referidas populações a demandar o território continente são naturalmente indissociáveis da perceção ou representação que essas populações alimentam relativamente ao que por cá se vai passando em termos económicos. Faz parte do mais elementar cálculo económico individual que precede uma decisão migratória.


 A descida das populações de países de expressão portuguesa e do leste e centro da Europa traduzirá essencialmente os efeitos da crise em geral e em particular da construção civil e de algumas atividades ligadas ao mercado interno, como por exemplo a pequena restauração. De um certo modo, poderá dizer-se que essa queda está em linha com a alteração de modelo económico que, como é conhecido, embora por vezes pouco lembrado, teria necessariamente de passar por um menor peso das atividades de construção civil e obras públicas. O único contraponto a esta tendência seria a do florescimento turístico que, tradicionalmente, sobretudo a sul, sempre viveu parcialmente do recurso a população imigrada, mais propensa e recetiva à flexibilidade sazonal.

Interpretemos agora o crescimento dos números relativos ao crescimento da população imigrada europeia, particularmente franceses, italianos e britânicos. Uma explicação possível é que Portugal estaria a transformar-se numa espécie de Riviera ou Côte-d’Azur atlântica, um sítio calmo e aprazível, seguro, para acomodar os últimos anos de luz, sol e lazer de população reformada. O que estará a passar-se não será a plena concretização desse potencial de atratividade. O que estará a explicar o fenómeno será mais a política pública de incentivo fiscal a essa atração de novos residentes, mais provavelmente do que a história dos vistos gold. Claro que as tais condições de amenidade e segurança pesarão, mas a sua influência será mais a de completar o efeito do incentivo fiscal.

E a pergunta coloca-se, naturalmente: mas que modelo económico estará esta mudança na população imigrada a provocar? Em primeiro lugar, não deve esquecer-se que em matéria de stocks ainda é a imigração de expressão portuguesa que domina. A imigração ocidental manifesta-se ao nível dos fluxos não dos stocks.

Assim sendo, a receita fiscal que o incentivo IRS aos estrangeiros representa (embora com desconto, trata-se de uma nova receita de IRS) tem de ser completada com os benefícios económicos que a atração dos novos residentes ocidentais estará a potenciar. E aqui é que provavelmente nada se anuncia em termos de mudança de modelo económico. Trata-se em primeiro lugar de um efeito sobre o consumo e sobretudo do impacto na construção civil, mais no escoamento de parque habitacional já construído do que propriamente em nova construção, embora esta tenda também a ser incrementada. Em duas palavras, nada de novo em matéria de alteração de modelo económico, o que é mau.

Tem, assim, razão o coordenador do Observatório da Emigração Rui Pena Pires quando desabafa que: “Precisávamos mais de uma população jovem, que pudesse ter filhos, e em idade ativa. Uma parte substancial desta imigração que é atraída pelo regime fiscal para residentes não habituais é uma imigração mais velha.” Acrescentaria eu que não é apenas uma questão de não rejuvenescimento etário. É também o facto de nada de novo a oeste em matéria de modelo económico. Esta questão ilustra bem a matéria das escolhas públicas que tanto interessa a este blogue. É que em caso de rarefação de recursos públicos, interessaria alocá-los preferencialmente em opções cuja probabilidade de influenciar a transformação do modelo económico fosse mais elevada.

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