(Se há pensamento estimulante para quem trabalha em planeamento e em estratégia seguramente que o de Henry Mintzberg preenche plenamente esse requisito. Por isso, revisitar obra e extensões mais recentes é sempre retribuidor. O que não imaginaria é que a pandemia estivesse também sob o seu olhar.)
Tenho vindo de forma um pouco anárquica a destacar ideias e obras que influenciaram a minha “reflective practitioner view” do planeamento estratégico e sobretudo do modo como as estratégias se formam, qualquer que seja o nível, setorial, territorial, organizacional, em que são geradas. Com a obra de Henry Mintzberg, cientificamente classificada nos domínios da gestão (management) e da organização, aprendi algo que me ficou para sempre e em torno do qual a minha prática profissional reflexiva vai evoluindo até que deixe de trabalhar. Com o pensamento de Mintzberg aprendi que a formação de uma estratégia não consiste numa sequência linear análise-síntese, ou seja, não usamos primeiro a nossa componente analítica do cérebro e depois a sua componente sintética. O processo é global e do ponto de vista organizacional isso significa que as boas equipas são misturas de comportamentos analíticos e de comportamentos mais sintéticos (intuitivos). E já não falo da sua virulenta crítica aos MBA’s (Managers – Not NBA’s).
O que não imaginaria é que a perspetiva de Mintzberg sobre a gestão da pandemia e sobre o papel da ciência nesse processo fosse tão estimulante (link aqui). Mas, lá no fundo, a matriz de pensamento é a mesma, como já tinha ficado evidente em 2012 a sua reflexão sobre “Managing the Myths of Health Care” (link aqui).
O ponto de partida não pode ser mais estimulante: “Precisamos de uma saída para esta pandemia, para além de salvar as nossas economias matando mais pessoas”. Cru e brutal, é verdade, mas abanando o suficiente para encontrar uma saída. Para não matar as economias teremos necessariamente de ser brandos em relação á possibilidade de estar-nos a condenar a mortes precoces?
O grande problema coletivo que enfrentamos é que a pressão enorme exercida sobre a ciência obriga esta, para além da concentração de recursos na procura da vacina, a prosseguir roteiros de investigação, estudando situações a que corresponde evidência suficientemente intensa para justificar o foco da procura de regularidades explicativas.
A perspetiva de Mintzberg é simples. Partindo da evolução que tem sido observada na estabilização de soluções de proteção, distanciamento físico e cuidados com as superfícies (fruto essencialmente da relevância da transmissão por gotículas) e depois máscaras, evitar ajuntamentos e arejamento (efeitos do reconhecimento tardio, direi eu, da transmissão via aerossóis), Mintzberg suscita uma abordagem do tipo (What If?) (Porque não?). Apoiando-se em relatos de surtos dispersos mas identificados e bem documentados, anota a presença de casos em que a qualidade do ar (o estado da poluição) como uma possível razão para a disseminação do vírus e até para explicar a rápida diminuição de casos em algumas situações. Em Whuan, por exemplo, origem do problema, será que a rápida diminuição da disseminação do vírus se deveu não apenas ao confinamento brutal a que a cidade foi submetida mas também à brutal redução da poluição que esse confinamento possibilitou?
A hipótese de Mintzberg esbarrou obviamente com a réplica de inexistência de evidência suficiente e sobretudo com o tempo largo que nesses casos seria necessário assegurar para a recolha da evidência necessária. Com a pressão enorme a que a ciência mundial está submetida, compreende-se a prioridade que os roteiros da investigação deram não só à investigação e teste de materiais de proteção mas também aos caminhos dotados de evidência suficiente. Como seria de prever no pensamento de Mintzberg, a questão por ele colocada é a de saber se neste contexto de pressão abordagens de investigação segundo o modelo do “porque não?) se pode justificar: “(…) O dia em que comecei a fazer investigação empírica, descobri como a realidade era encantadoramente surpreendente. (Estava a observar chefes executivos a trabalhar e que não estavam a fazer o que meio século de literatura dizia que teriam de fazer). É por isso que precisamos de mais atitudes “porque não?” na investigação – para alargar as nossas conservas mais do que para as fechar”.
Será que existe um efeito combinado de mortes precoces determinadas pela pandemia e pela mudança climática? Será que uma das soluções esteve debaixo dos nossos olhos e a ela não atribuímos a devida importância, com a evidência que todos vivenciamos de que o confinamento de março e abril reduziu brutalmente a poluição? Valerá a pena tentar abordagens de investigação pontuais sem aumentar a já insuportável pressão que se abateu sobre a ciência, embora de certo modo vingando-a da trágica desvalorização que o populismo lhe dedicou?
Generalizando o alerta de Mintzberg, será que há lugar na ciência contemporânea para abordagens do tipo What If ou Porque Não? Ou será que a resposta da “não há evidência suficiente” bloqueará todo esse tipo de experimentação? Não são tempos de cruzeiro, mas antes tempos de pressão em que não nos podemos render à ideia de que para salvar as economias teremos de nos sacrificar a nós próprios.
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