segunda-feira, 16 de novembro de 2020

SOMOS TODOS IRMÃOS?


Eles foram, num total de seis anos e meio, os dois ministros das Finanças mais marcantes do Portugal moldado pela Troika chegada em 2011, cada um deles pertencendo a governos de diferente posicionamento programático e político-partidário. No entanto, proclamações e estilos à parte, Gaspar e Centeno acabaram por ser bem mais complementares do que concorrentes na sua prática efetiva à frente das Finanças do País, senhores como são de uma mesma leitura e linguagem fundamental em matéria de teoria e política económica e de uma mesma avaliação “servilista” do papel de técnicos altamente reputados em contextos políticos cada vez mais indiferenciados e tendencialmente asséticos no plano dos grandes princípios democráticos. Sendo que calhou a um a fava da austeridade e da necessidade de ir para além dela (Passos Coelho) e a outro o brinde da viragem de página da austeridade num quadro de acordos parlamentares à esquerda (Costa) – tudo devidamente composto e martelado, como tinha de ser.



Digo o que digo porque as disfarçadas similitudes entre Gaspar e Centeno vieram novamente ao de cima por estes dias em intervenções públicas que ambos produziram no âmbito das suas atuais funções no FMI e no Banco de Portugal, respetivamente. De facto, o que foi verdadeiramente curioso nessa linha pode ser traduzido na observância da seguinte dialética de contrários: por um lado, o impiedoso “austeritário” chamando a atenção dos governantes da Zona Euro no sentido de que “não devem retirar apoios orçamentais de forma prematura” (spend, sem prejuízo de um benigno alerta para os défices e a dívida); por outro lado, o impenitente cativador socialista insistindo em que “os níveis de dívida tornam proibitivas as intervenções massivas [por parte do Estado] nos apoios sociais e à economia” e, assim, em que as políticas públicas a pôr em prática para responder aos efeitos da presente crise (qualificada de não estrutural e não justificativa de uma alteração das “características estruturais do sistema de apoio social e económico”) devem ter um carácter temporário e atuar essencialmente nas margens – citando: “ao ter de atuar na margem, ao ter de ser focado, inclusivo e englobador das diferentes dimensões da atividade económica, o mix de políticas deve dirigir-se a políticas de capital humano (educação e formação), políticas de mercado de trabalho (incluindo salário mínimo) e, obviamente, às empresas, políticas de concorrência e regulação, que são aquelas que no fim de qualquer processo de transformação vão constituir mecanismos de aproximação das políticas públicas às pessoas, às empresas e, portanto, à sociedade como um todo”. E Centeno ainda quis deixar mais uns recados – que tanto podem ser de um amigo do peito como de um involuntário falso amigo – em relação às promessas do seu sucessor João Leão de fazer crescer fortemente o investimento público no presente ano: “o foco deve estar na forma de catalisar investimento privado, que continua a ser o tipo de investimento com maior peso” e “para uma retoma eficaz, os recursos públicos devem estar focados em projetos que já estão em curso”.

Eu já não sei mesmo se o defeito será meu, mas lá que anda tudo às avessas para os lados da tecnocracia economicista, e do modo como ela vai sendo funcionalizada por projetos políticos equívocos porque táticos e desfocados dos valores essenciais, lá isso é o que me parece ser aquilo a que estamos a chegar. Com o “Chega” a aplaudir e a agradecer os votos que um número crescente de portugueses sufocados e incautos vai desviando para o seu peditório antissistema...


(José Manuel Puebla, http://www.abc.es)

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