(A minha chegada de espectador frequente ao “streaming” é um produto do confinamento e do recato caseiro, que aliás só acentuaram, segurança oblige, a característica de bicho caseiro. Tem sido um recurso seletivo, bastante seletivo mesmo, à programação sobretudo da Netflix, da HBO e da APPLE TV. A expectativa pela quarta temporada de THE CROWN de Peter Morgan era grande e a visualização dos dois primeiros episódios num domingo chuvoso faz-me crer que se trata do melhor que foi até agora produzido.
Estou claramente entre os que pensam que as monarquias europeias são algo de fora de tempo nos tempos acelerados que vivemos, embora tenda a ser compreensivo pelo seu papel na manutenção de alguma identidade cultural em alguns dos países que acomodam ainda essas estruturas. Não me custa também admitir que a monarquia em Espanha contribuiu ativamente para a transição democrática, embora as diatribes corruptas de Juan Carlos a tenham conduzido a uma situação agónica. E sempre me espantou a aparente adesão popular que a família real inglesa tem mantido ao longo dos tempos, pelo que a visualização das três primeiras temporadas de THE CROWN foi também uma oportunidade de rever história recente, sobretudo nos tempos de Churchill, Wilson e MacMillan, preenchendo lacunas de informação para além da novelização que a série naturalmente imprime. Afinal, aquela sequência de figuras da família real, seguidas ao longo do tempo, manteve com a história do Reino Unido uma relação indissociável.
A expectativa com a quarta temporada era grande, anunciava-se Thachter (com o regresso da minha diva Gillian Anderson, talvez num papel demasiado rígido) e o choque de culturas, mentalidades e origens com a Rainha, Lady Di e a violência do IRA. A estética e o grafismo da introdução da série fazem lembrar a Guerra dos Tronos e percebe-se que o material de investigação disponível que suporta a produção da Netflix é vasto e potente. Li no New York Times que o autor da obra, Peter Morgan, está mais preocupado com as questões do rigor do que da verdade. Essa preocupação é visível por exemplo no modo como a figura do Príncipe Carlos e a sua relação com os seus pais são cobertas, mas também na fascinante figura da Princesa Margarida.
Os dois primeiros episódios que hoje visualizei têm momentos de notável impacto e fulgor como o são, por exemplo, o fim de semana do casal Thatcher no Palácio de Balmoral na Escócia com a família real, no qual a má educação, rudeza e arrogância desta última são tratadas com requintes de rigor e malvadez e a espantosa reação do Governo de Thachter quando ela anuncia a sua controversa política de desmantelamento do Welfare State inglês. São dois momentos televisivos de qualidade ímpar, de composição extremamente rigorosa, que se poderiam adicionar à filmagem em paralelo dos afazeres de caça e de pesca de parte da família real e o atentado do IRA a Lord Mountbatten.
É talvez uma família real mais humanizada que ressalta da série da Netflix e paradoxalmente uma melhor perceção das razões da sua agonia.
Pela minha parte, THE CROWN oferece-me belos pretextos de fins de tarde pós-laborais ou de noites recatadas. E isso nos tempos que vivemos já é precioso.
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