domingo, 29 de novembro de 2020

E ASSIM SE VÊ …

 

(Hesito em completar a frase. Com a força do PC? Não me parece! Com a teimosia do PC? Parece-me redutor. Com a organização do PC? Não é novidade. Então o que é que o Congresso realizado em fim de semana de emergência pandémica efetivamente mostra? Não é fácil completar a frase, porque estão aqui em causa questões mais complexas para a esquerda em Portugal do que as falsas controvérsias em torno do Congresso de Loures anunciam ...)

Penso que fui claro em alguns posts sobre esta matéria. A geringonça pós-Troika não teria sido possível sem a presença do PCP no sistema político e parlamentar português. A melhor demonstração desse facto é a sua impossibilidade em Espanha. Mesmo que o PODEMOS seja mais volúvel do que o Bloco de Esquerda em Portugal, a ausência de um PCP em Espanha torna inviável algo do tipo da geringonça portuguesa. Não por acaso, o modelo de coligação à esquerda em Espanha é popularmente designado por governo de Frankenstein e não geringonça. O PSOE tem sido conduzido a cambalhotas algo incompreensíveis para uma larga faixa do eleitorado: alianças com Esquerra Republicana e Bildu.

A importância sistémica do PCP no xadrez político à esquerda não se deve apenas à sua “palavra”, à sua maneira de negociar e respeitar acordos a partir do momento em que são celebrados. Deve-se, em meu entender, às irreversivelmente difíceis relações do PS com o Bloco Esquerda. A posição de uma larga parte dos militantes e dirigentes do PS relativamente ao PCP é clara, porque tem uma dimensão histórica inequívoca. Muita gente passou pelo PCP e rompeu, em diferentes etapas, com derivas ou enquistamentos de posições políticas do partido. A transição democrática em Portugal só consumou o que tinha começado antes. Mas essa rotura não impede uma larga parte dos militantes do PS de respeitar a história do partido e o seu contributo para o derrube do regime. Não se coloca nem por sombras o problema de divisão possível de eleitorado.

As relações com o Bloco de Esquerda são distintas. A natureza do Bloco e das suas batalhas ideológicas é algo que mexe com a esquerda mais radical do PS. Isso produz uma situação altamente instável geradora de tensão permanente que só acalma com quedas/ganhos de eleitorado nessa franja entre as duas forças políticas.

Por isso, em meu entender, acordos parlamentares com reflexos na governação à esquerda ou integram os três partidos ou dificilmente se projetam com uma influência que se veja na estabilidade de uma legislatura. O orçamento é verdade que passou mas sem que isso transmita estabilidade promissora à governação futura, tanto mais que a gestão da pandemia corrói qualquer governo democrático.

Dito isto, ou seja reconhecendo a importância “sistémica” do PCP na viabilidade de uma solução do tipo “geringonça”, analisemos agora a insistência do PCP na realização do seu Congresso. Já se percebeu que, sem embargo da organização rigorosa e disciplinada com todos os pormenores para público ver o cumprimento de regras sanitárias, o PCP terá tido perdas que podem ser severas do ponto de vista da perceção pública sobre a inconveniência do Congresso. Falaram alguns em suicídio político. Em meu entender. É antes um risco calculado numa trajetória de algum declínio. Primeiro, porque era necessário transmitir aos militantes a “batalha” orçamental e os ganhos de negociação tão pícara. Segundo, porque o ritual ainda é tudo no PCP e, convenhamos, o virtual não transporta consigo essa força de ritual. Terceiro, porque era necessário marcar terreno para o seu candidato João Ferreira e sobretudo definir a posição crítica em relação a Marcelo, minimizando estragos de uma votação que pode ser perturbadoramente baixa apesar da energia e consistência do candidato. Só no ambiente de um congresso é que tem sentido e repercussão afirmar-se como “espinha na garganta do capitalismo” que nos faz recuar no tempo aos períodos mais conturbados do PREC.

Percebe-se que o PCP prepara o rejuvenescimento da sua liderança. Mas o seu problema central não é esse, mas antes o do rejuvenescimento do seu eleitorado. Os tempos serão difíceis e Presidenciais e autárquicas serão testes duros e que podem mitigar ou cavar a ideia de declínio. Por isso, não seria o virtual ou um adiamento que preparariam a militância para esses tempos difíceis. O partido mediu seguramente os custos da sua insistência. Mas estou seguro que os terá avaliado abaixo dos benefícios internos que essa insistência terá transmitido à militância.

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