quarta-feira, 25 de novembro de 2020

JANET YELLEN

 

(Há diferentes formas de nos sentirmos aliviados com o anúncio da retirada contra a sua vontade da cena política americana de Trump e com o não retorno das avultadas despesas incorridas em consultoria jurídica de advogados para suportar a sua batalha na justiça eleitoral. Todas elas trazem o gosto do regresso a uma certa normalidade em tempos de anormalidade. Mas a possibilidade de voltar a falar de Janet Yellen consola-me bastante ...)

Cheira-me que mister Donald tem fisgada uma outra abordagem para se manter empolgado como se sentiu na sua picaresca saída do hospital e na sua volta em comitiva automóvel ao quarteirão do hospital militar que o recebeu ou quando se “declarou” à esbelta Primeira dama em exercício. Imagino que se prepare para capturar definitivamente o Partido Republicano, embora agora as suas armas tenham de ser diferentes para o conseguir. Na verdade, já não poderá acenar com as cenouras da captura plutocrática do poder e com o enriquecimento potencial a partir dos negócios com a Casa Branca. Tem de convencer os Republicanos a suportar a sua eventual candidatura às próximas eleições, talvez criando uma nova televisão, pois o senhor Murdoch mandou-o às urtigas pois isto das audiências é coisa muito sensível.

O estado em que o senhor Donald deixa o Partido Republicano facilitará essa estratégia se a tiver, numa espécie de virtuosa pescadinha de rabo na boca para as suas pretensões, mostrando que a boçalidade e a negação da ciência compensam neste estranho mundo, quase meio-mundo americano.

Joe Biden, gabo-lhe o aprumo e a paciência, lá foi levando a água ao seu moinho, com a verdade a facilitar-lhe a vida e a esquerda mais à esquerda dos Democratas por agora rendida ao engenho eleitoral do novo Presidente e da sua vice-Presidente, a acutilante Kamala Harris.

De todas as novidades da composição do seu futuro Executivo aquela que mais me conforta é a da indigitação de Janet Yellen para Secretária de Estado do Tesouro, o cargo que mais se aproxima dos Ministros das Finanças (e em parte da Economia, macroeconomicamente falando), a função que gere mais diretamente com o Presidente a política económica dos EUA e, por essa via, com grande influência na gestão macroeconómica do mundo.

Muitas vezes acentuei o conforto que deu durante largo tempo a presença de Janet Yellen à frente dos destinos do FED USA, sobretudo atendendo à forma cautelosa como foi gerindo as expectativas em torno dos estímulos à economia americana em plena recuperação agónica da crise de 2008. Gestão fortemente inspirada pelo princípio básico da precaução e da prudência em termos de política monetária e de controlo do desemprego, com algumas ideias básicas:

  • Ideia nº 1: é mais fácil intervir na economia ao menor sinal consistente de pressão inflacionista do que corrigir trajetória provocada por um levantamento precoce e inconsequente dos estímulos à atividade económica;
  • Ideia nº 2 ( que Yellen praticou amplamente): a evolução da taxa de desemprego não é o único indicador que deve ser analisado como medida do estado de concretização do produto potencial da economia – é mais um sistema compósito de indicadores, com relevância para o rácio “emprego-população”, colocando em denominador o grupo de população que se entenda, população ativa, população potencialmente ativa e outros.

Janet Yellen está como todos os macroeconomistas, mesmo os mais brilhantes, sujeita ao erro e a comunicação da política do FED teve momentos críticos. Mas o que importa é o conforto da competência e da seriedade que os seus cabelos brancos e postura serena anunciam.

O cargo de Secretário de Estado do Tesouro é apaixonante e está sob o foco da atenção de todo o mundo. Como sempre, estamos perante o conforto que sentimos quando um macroeconomista de grande projeção e sabendo do que fala se aventura a uma aventura pela governação. E não deixamos de estar também com o receio de que nos desiluda e às ideias em que acreditamos, mesmo sabendo que a realidade da governação é impura. Recordo-me dos tempos de Lawrence Summers no mesmo lugar que Yellen irá assumir e da frustração por não ter intensificado como devia os estímulos fiscais na era Obama.

Mas por agora é a sensação de conforto e alívio que prevalece. 

Caro Joe, continua, que estás a pensar bem, as elites, quando são conscientes, maduras e não corruptas, que também as há, não mordem.

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