terça-feira, 3 de novembro de 2020

VÁRIOS NÓS LUSO-AÇORIANOS


A situação política criada com as eleições nos Açores é curiosa, para dizer o mínimo. Porque com ela se (re)coloca a questão que surgiu em 2015 nas eleições legislativas que Passos venceu sem condições para formar uma maioria parlamentar e que Costa aproveitou para ajudar o País a respirar depois daqueles anos de sufoco (entre as incomportáveis exigências da Troika e a obediente teimosia de irmos para além dela).

À época, não tive grandes hesitações em apoiar a solução encontrada, vulgo “Geringonça”; e a verdade é que havia ali uma certa lógica de dominância parlamentar, mesmo que ao arrepio da tradição a que então se vinha chamando “arco da governação”. A coisa funcionou durante uma legislatura, após a qual a instabilidade parlamentar voltou, em parte devido a algumas resistências internas ao PCP e em parte devido à triunfalista autossuficiência de Costa; com os resultados que se conhecem na atual negociação do OE para 2021.

 

É justo referir que, de entre os grandes opositores da “Geringonça” no interior do Partido Socialista, foi Sérgio Sousa Pinto – até com alguns custos em termos de relacionamentos pessoais com o próprio líder – quem então mais e melhor se posicionou irredutivelmente contra a opção parlamentarista. Recordo-o porque, no “Expresso” de Sábado passado, ele voltou à liça com a sua argumentação de base, agora reforçada: da “novíssima narrativa” de 2015 (“PS, BE e PCP eram a ‘esquerda’, em duelo figadal com a direita”) ao alegado facto de que “a rebelião do BE, contra o orçamento de 2021, expõe a verdade das coisas, tal como elas são e sempre foram: o PS, BE e PCP nunca partilharam uma visão comum para o país”. E com as devidas e previsíveis implicações, i.e., com a mesma linha de orientação aplicável agora mutatis mutandi ao caso dos Açores.



Mas, fazendo recurso à minha melhor honestidade intelectual, existirão diferenças no caso açoriano? Tenho de confessar que vejo poucas, exceto numa única dimensão. Por um lado, há o PAN, que no Continente tem apoiado o Governo, embora o seu deputado apenas permitisse um 28-28, já que o “Iniciativa Liberal” não parece inclinado a alinhar na coligação à direita (e até parece entender que o PS, vencedor, deveria formar governo). Por outro lado, e finalmente, tudo acaba na efetividade ou não de um apoio parlamentar do “Chega”, o que nos reconduz, praticamente, a uma interrogação fundamental: pode o PSD tranquilamente invocar paralelismo entre um apoio parlamentar do BE e do PCP ao PS e um apoio parlamentar do “Chega” a uma coligação por si liderada? Farinha do mesmo saco, seriamente? Ou a dita hipótese dependerá dos respetivos termos – duros, inaceitáveis mesmo, na literal palavra negocial de Ventura (uma indecorosa e antidemocrática revisão constitucional em cima da mesa!), mas talvez adocicáveis ou neutralizáveis com o jeitinho típico de Rio (e o que diz o PAN?, insista-se)? E se houvesse a coragem de regressarem às urnas e nelas acabarem por derrotar mais autonomamente o que resta do PS de Cordeiro e César(es)?


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