segunda-feira, 9 de novembro de 2020

O PORCO ESPINHO DE MÜNCHAU

 

                                                (Wolfgang Münchau, EuroIntelligence)

(Aparentemente Wolfgang Münchau deixou de publicar a sua crónica semanal no Financial Times, onde emergia claramente como um dos mais lúcidos comentaristas. É assim necessário visitar a página da sua empresa EuroIntelligence (link aqui). Não é por isso que deixou de ser o analista inspirador de perspetivas que ajudam a fazer a diferença e a ver diferente.

Wolfgang Münchau foi durante a crise das dívidas soberanas e no seu agónico “aftermath” uma voz crucial para num jornal com a divulgação do Financial Times manter uma perspetiva crítica sobre o modo como os diretórios europeus geriram a crise e proclamaram trágica e perversamente a austeridade como mezinha para todos os males do sistema. Aguentou em terrenos adversos, a que se juntou frequentemente outro peso pesado como Martin Wolf, uma visão crítica do edifício do Euro e da sua preparação para suportar pressões impensadas. Veio dizê-lo a Portugal quando a convite da Fundação Francisco Manuel dos Santos esteve em Lisboa a combater a ortodoxia e a reclamar das autoridades europeias operações de conserto da máquina do Euro, para ela poder aguentar as tais pressões impensadas.

Embora não sendo um macroeconomista académico, a sua perspetiva crítica da gestão macroeconómica da crise e das fragilidades do Euro levou-o frequentemente a lamentar o estado lastimável de “ciência sombria” (dismal science) em que a economia caíra perante a muito generalizada indiferença dos pares. As suas investidas contra o mundo da ortodoxia económica, combinadas com o seu entendimento da geoestratégia europeia e das contradições das posições alemãs, porque produzidas no espaço do Financial Times adquiriram por vezes o estatuto de crítica da economia dominante que por conveniência ou cobardia uma parte da academia nunca foi capaz de assumir. Münchau foi dos que percebeu, talvez pelo seu diferente posicionamento profissional, que esse alheamento e cobardia dos economistas conduziria, se não fosse contrariado, mais tarde ou mais cedo à sua irrelevância como atores relevantes na sociedade e na fundamentação da decisão política. Por essa via, facilitavam a vida a uma das grandes características perversas do populismo: o escárnio e o total desprezo pelo pronunciamento das elites, tal como Barry Eichengreen brilhantemente o demonstrou no THE POPULIST TEMPTATION, oportunamente analisado neste blogue.

Neste artigo, disponível no sítio WEB da EuroIntelligence (link aqui para a versão em inglês e aqui para a versão em castelhano no El País), Münchau joga com a sedução de um gráfico, que sugere a figura de um Porco Espinho. Esse gráfico traz-nos a reiterada evidência do sistemático erro de previsões macroeconómicas, realizadas pelos Bancos Centrais e outras entidades com funções de previsão económica, quanto à incidência da inflação. Erros de previsão que não podem ser apenas entendidos como o resultado das partidas de uma realidade perversa, que afinal se mostra obstinada em contrariar a lógica que a ortodoxia económica sempre seguiu do ponto de vista da meta de inflação de 2% para assegurar a chamada estabilidade monetária. Realidade perversa e obstinada que continua a resistir às “toneladas” de injeção monetária que foram vertidas nas principais economias avançadas e que também obstinadamente se contrapôs aos fantasmas da história alemã e dos seus aforradores. Erros sistemáticos que, em vez de suscitar a rejeição plena dos modelos em que tais previsões são elaboradas e a sua substituição por outros mais capazes de compreender a realidade em que estamos mergulhados, os mantiveram por simples inércia ou perfídia.

O artigo de Münchau é mais amplo do que a simples denúncia das previsões macroeconómicas sistematicamente enviesadas. Ele discute também a fragilidade das bases com que a mais potente estatística é aplicada, como o demonstram não só o falhanço total das sondagens nos EUA para dar conta do fenómeno do trumpismo e da sua extensão, mas também nas previsões pandémicas. Há demasiada imodéstia na utilização dos métodos quantitativos e mais do que isso uma profunda e perigosa iliteracia na interpretação dos seus resultados.

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