(Sou dos que penso que a compreensão sociológica e política da América profunda é na Europa e em Portugal em particular um verdadeiro desastre e isso impede-nos de entender o fenómeno do trumpismo. A dimensão do país é de tal modo vasta que não basta olhar para o mapa da fratura, com a polarização entre o azul e o vermelho. Mas apesar de todas essas limitações, que se materializaram, por exemplo, em alguns vaticínios de que os Democratas iriam arrasar, há um ponto que emerge claramente mesmo nesse contexto de incompreensão: Trump é um sabotador e tempos de violência podem ser antecipados. O mundo não está para velhos e os jovens que se preparem …)
Custa reconhecer, e a mim dói-me, mas não parece haver dúvidas de que os melhores candidatos democratas, à esquerda do partido, onde coloco Elizabeth Warren à cabeça, não teriam qualquer hipótese de disputar a eleição a Trump. A polarização nos EUA não favorece a esquerda Democrata, embora haja casos pontuais de eleitorados locais e mais urbanos que podem, por exemplo, reagir favoravelmente à mensagem de novas figuras como Alexandria Ocasio-Cortez. O candidato Biden era frágil, mas num assomo notável de últimas energias e de intérprete do ressurgimento de alguns valores americanos, nestas horas de incerteza em torno das últimas contagens SOMOS TODOS BIDEN. Tenho de reconhecer de que só uma personalidade deste tipo, completada com a imagem mais fresca e ousada de Kamala Harris, na Vice-Presidência, poderia garantir algo que desejamos, a não reeleição de Trump e do que ele significa de atropelamento de todas as regras da convivência democrática e de destruição do Partido Republicano.
Há quem tenha tentado interpretar a entrada em cena de Trump com a velha oposição nas sociedades entre a racionalidade coletiva da Polis e o individualismo que faz apelo ao que de mais intenso das reações passionais existe, como se Trump fosse o intérprete dos desesperados. Mas quando olhamos para os números e para a dimensão das manchas vermelhas do mapa eleitoral americano compreendemos que não haverá seguramente 70 milhões de desesperados por aquelas paragens. Penso que não está ainda disponível uma caracterização sociológica rigorosa do que essa onda já representa. Trata-se de uma amálgama ainda relativamente informe, de grande diversidade, dos plutocratas do “business” que compreenderam poderiam capturar a Casa Branca até a grupos sociais desfavorecidos, certamente aí também estão os “deserdados e perdedores da globalização”. Surpreende que uma grande parte do voto latino esteja com Trump, depois de terem sido tão mal-tratado pela Presidência, e certamente que o conservadorismo da diáspora portuguesa nos EUA estará também colado à personalidade de Trump. O problema é que na base social e política de Trump não está apenas esse conservadorismo. Estão também forças apostadas em minar e destruir as bases mais elementares do sistema democrático, numa espécie de internacional desses movimentos perversos.
E não é por acaso que Trump, no rescaldo de uma derrota eleitoral que se perfila com uma probabilidade cada vez mais elevada, se assume como o Sabotador principal, assumindo ele própria a mais que perversa posição de não confiar ele próprio na legitimidade do sistema eleitoral americano. Embora comecem no Partido Republicano a verificar-se sinais de alguns ratos começam a abandonar o navio, neste campo a história repete-se, a verdade é que o conceito de legalidade de Trump é obtuso. Segundo ele, contando os “votos legais” ganharia por larga margem. A perigosidade de tudo isto é que o SABOTADOR fala essencialmente para as componentes da sua base eleitoral efetivamente interessadas na destruição das regras mais elementares da democracia.
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