segunda-feira, 2 de novembro de 2020

DECISÕES E LIOS FERROVIÁRIOS

 

(A cena ferroviária parece despertar de uma longa letargia, não sei se a tempo, ou apenas com a possibilidade de minimizar danos irreparáveis para a sustentabilidade da mobilidade no país. Vale a pena refletir sobre algumas das decisões politicamente assumidas, não esquecendo os nós que há ainda e muitos para desatar …)

Tomei conhecimento pelos jornais de que o Ministro Pedro Nuno Santos assumira com clareza uma prioridade política em matéria de ligações ferroviárias com o país vizinho. Disse o Ministro que, em matéria de escolha política, o Governo priorizaria a ligação em velocidade alta Lisboa-Porto-Vigo à ligação Lisboa-Madrid. A entrevista do Ministro ao jornal VOZ DE GALICIA (link aqui) foi clara e sem espinhas e, no plano interno, até referiu que a prioridade a concretizar até 2030, inscrita no Plano Nacional de Investimentos (PNI), tem o compromisso do PSD de, no caso ser Governo, a prioridade não cair.

Tiro o chapéu a PNS num assunto que tem andado enredado e baralhado, fruto do choque entre diferentes visões territoriais para o país, até agora com maior peso da visão centralista que coloca o papel de Lisboa no centro do nosso pequeno mundo e tem desvalorizado visões mais multipolares do país, valorizando a totalidade do nosso território.

A posição vertida no PNI recupera não só a ideia de alta velocidade, denegrida pela inconsistência com que os estudos da ligação TGV Lisboa Madrid foram elaborados, mas também volta a colocar Braga no centro da ligação e até se recomenda que a ligação comece a ser construída entre Braga e Vigo. Compreende-se que o presidente da Câmara Municipal de Braga Ricardo Rio ande exultante. É esta comunicação e a de há dias em que o índice de satisfação pela qualidade de vida usufruída na Cidade foi reconhecida a nível Europeu que justificam esse brilho e, diria eu, é um bom prémio para a valia da alternância democrática a nível municipal. Dou de barato que as minhas esperanças de ainda com vida poder ver da minha varanda de Seixas o Alfa Pendular a passar, rápido e sereno, em direção a Vigo ou ao Porto se esfumaram completamente. A ligação pela borda marítima foi sempre de concretização mais complexa e só foi considerada (a minha equipa estudou essa possibilidade) dada a decisão política então tomada de abandonar a ligação Porto-Braga-Vigo. Com esta decisão política, a melhoria da ligação através de Viana-Valença continua a estar em cima da mesa, mas a ligação Porto-Braga-Vigo é seguramente mais estrutural.

Mas se colocarmos em cima da mesa não só a decisão política portuguesa, finalmente clara e assumindo uma visão mais multipolar do país e por isso mais integradora, mas também a evolução das decisões estratégicas em Espanha e na Galiza há ainda alguns nós a desatar.

Como é compreensível, uma ligação de alta velocidade Porto-Braga-Vigo não pode ser dissociada dos investimentos em alta velocidade ferroviária na Galiza.

Como é possível confirmar a partir do gráfico disponibilizado pela VOZ DE GALICIA, a integração da alta velocidade galega com a capital espanhola está por agora limitada à ligação A Coruña – Santiago – Ourense e ainda recentemente foi aberto ao público um troço a partir de Zamora que acelera bastante o tempo de viagem e a concretização da indivisibilidade da ligação com Madrid.                     


Ora, se nos projetarmos no ponto de ligação do Lisboa-Porto-Braga com Vigo, é fácil perceber que a entrada desta Cidade no esquema de ligações rápidas está hoje dependente de uma posição política também clara perante a seguinte escolha: (i) a hipótese durante algum tempo de a ligação se poder fazer por Santiago de Compostela, o que exige um processo de inversão de marcha, podendo em alguns comboios não implicar a paragem na estação de Santiago; (ii) a hipótese do by pass (ligação direta por Cerdedo, Pontevedra ou uma solução mais leve com menos investimento que está em estudo) tal como é contemplado no gráfico seguinte, já que a ligação ao longo do Minho parece vedada pela incompatibilidade com as características de segurança de uma linha de alta velocidade.

                                                                        

A ligação por Santiago aumenta obviamente o número de viagens diárias a Madrid, embora alongue a viagem se nos reportarmos a uma ligação direta ideal de Vigo à linha já em funcionamento a partir de Santiago de Compostela (estimativa de 3 horas e 24 minutos quando toda a linha até Madrid estiver concretizada). A linha hoje existente ao longo do Minho de cerca de 131 quilómetros até Ourense não está devidamente adaptada, apesar das melhorias concretizadas, para uma ligação de alta velocidade (link aqui). 

Resumindo, a interligação da nossa nova ligação rápida Porto-Braga-Vigo com a rede galega de alta velocidade, quando concretizada (previsão 2030, mas …) encontrará uma ligação ibérica com Madrid via Santiago, mais exequível, ou então no melhor dos mundos uma ligação a Ourense com bypass a partir de Vigo, muito provavelmente não disponível.

É neste campo que as futuras jogadas e argumentos irão emergir. E não quero ser mauzinho, mas estimo bem que nos próximos tempos irão aparecer os defensores da visão centralista e da ligação Lisboa-Madrid a dizerem que Lisboa estará ligada a Madrid em alta velocidade na melhor das hipóteses via Santiago de Compostela. Que o Santo nos abençoe e proteja do centralismo à solta. Caro Pedro Nuno Santos, prepare-se …

 

                                                                         

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