Abstraindo das brincadeiras de mau gosto do presidente do ACP ou de
brincadeiras perigosas envolvendo espiões – para não mencionar a morte de
feriados civis e a possível ressurreição de feriados religiosos em nome de uma
produtividade anunciada –, foquemo-nos na dimensão política “tout court”. Num dos
seus recentes comentários na TVI 24, Constança Cunha e Sá disse o essencial
sobre a respetiva e estrita conjuntura.
Retenham-se algumas frases fortes, agrupadas em seis tópicos:
·
É muito grave que o
Governo mande para Bruxelas um anexo à socapa que é conhecido pela Assembleia
da República através de um jornal diário.
·
A explicação [de Vítor
Gaspar] é surrealista (…).Eu não ia incomodá-los com estas previsões porque
daqui a quinze dias ou daqui a três semanas, aí sim, vamos ter previsões sobre
o desemprego e essas sim é que vão valer porque vão ser muito mais violentas do
que estas. Isto é uma coisa absolutamente extraordinária (…) e repõe
completamente em causa a imagem de seriedade que este ministro tinha.
·
A verdade é que se tem
visto, nos últimos tempos, um choque cada vez maior entre o Governo e o Partido
Socialista. Eu penso que com altas responsabilidades da parte do Governo. (…)
Das duas, uma: ou é uma ausência total de estratégia ou é uma estratégia
completamente irresponsável. Porque a maioria, quando sai lá para fora, leva sempre
na malinha, leva sempre na lapela o consenso (…). Chega cá dentro, esquece-se
do consenso e faz o que quer e consegue alienar esse consenso. E de facto esse
consenso está à beira de ser quebrado.
·
O episódio de hoje à
tarde, portanto o projeto de resolução apresentado pela maioria (…) é também
uma fantochada (…). Então o PSD apresenta hoje umas medidas para o crescimento
depois de, há quinze dias atrás, ter chumbado as medidas para o crescimento da
adenda do Partido Socialista? Isto faz algum sentido? Isto demonstra um enorme
desnorte deste Governo. Agora perceberam tarde e a más horas que de facto vai
ser necessária uma adenda.
·
Mas também é importante
saber o que é que o Partido Socialista vai fazer agora. Se vai ou não levar o
Documento de Estratégia Orçamental ao Parlamento, como chegou a dizer que ia
(…) e o que é que fazem: se chumbam este Documento de Estratégia Orçamental.
Antes de falarmos do orçamento do ano que vem, convém perceber o que é que o
Partido Socialista vai fazer com o Documento de Estratégia Orçamental. Porque o
Partido Socialista também diz muita coisa mas depois acaba sempre por votar no
essencial. Portanto, vamos ver.
·
Já no tempo de Cavaco
Silva, quando entramos para a Comunidade Europeia, éramos muito bons alunos.
Por isso é que destruímos a agricultura, as pescas, a indústria, etc., com o
resultado que se vê. Agora continuamos a ser muito bons alunos e, portanto,
fomos os primeiros logo a mostrar trabalho, a mostrar serviço e a votar o
tratado orçamental. E a verdade é que eu acho que o Partido Socialista cometeu
um erro ao ter votado favoravelmente o tratado orçamental – vai muito mais
longe do que o memorando.
Só que nada de tudo isto acaba por ser, ainda, o que
verdadeiramente releva. Claro que há diferença entre o absurdo e o patético, o
estranho e o grave. Mas não será nada disso que realmente fará a diferença no
final do dia desta fase decisiva da nossa vida coletiva. O que importa, o que
vai importar cada vez mais neste jogo de sombras que tem nos “mercados” o prato
principal (com uma pitada qb de “Europa connosco 2.0”?), é o que assinalei na emaranhada
primeira página do JN de ontem (ver abaixo): “Governo prepara novo aumento de
impostos”. A explicação do jornalista autor da peça (Luís Reis Ribeiro) é assim
sintetizável: “Em apenas um mês, entre a terceira avaliação
ao programa de ajustamento e o fecho do Documento de Estratégia Orçamental, as
Finanças reviram em alta a receita com impostos diretos no período de 2012 a
2015 [‘mais 3855 milhões de euros em impostos do tipo IRS e IRC face ao que
ficou inscrito nos quadros da troika’].” E se, na sequência, um comunicado do
Ministério das Finanças já veio garantir que não haverá aumento de impostos, o “cadastro”
de incumprimento que o mesmo ostenta e as avassaladoras incertezas que nos
rodeiam levam a que uma pergunta se imponha: e pode?
No último “Expresso da Meia-Noite”, José
Castro Caldas diagnosticou o problema de Gaspar de modo cristalinamente
interdisciplinar: “Está também a ficar à vista que essa estratégia nem sequer
produz os resultados mais imediatos a que se propõe: a redução do défice e a
redução da dívida. O que é que falta para descobrirmos que as receitas fiscais
estão a diminuir a uma taxa de 5% em termos homólogos quando deviam estar a
aumentar de acordo com o OE? O que é que falta para descobrirmos que as
despesas não estão a reduzir-se à taxa prevista no OE e que, pelo contrário,
algumas relacionadas com as prestações sociais estão a subir de uma forma que
não podia deixar de ser? O que é que falta para descobrirmos que este OE vai
ter que ser sujeito a uma nova revisão antes de o ano acabar? O que é que falta
para descobrirmos que isto está a falhar?” Acrescentando acerca do novo PEC,
agora chamado Documento de Estratégia Orçamental: “Isto é
escrito com um certo estado de espírito de negação da realidade, é um exercício
que consiste em: o que é que seria preciso acontecer, quais seriam as condições
necessárias, para que aquilo que eu quero se produzisse. Não é um exercício de
previsão, é um desejo. E aquilo que era preciso acontecer não está a acontecer
manifestamente.”
Pois é aqui que a porca torce o rabo! E pode ser mesmo aqui,
também, que a coisa venha a provocar dor a sério e/ou a pôr-se feia como nunca…
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