Vasco Pulido
Valente (VPV, acima caricaturado por Fernão Campos em http://ositiodosdesenhos.blogspot.pt) é provavelmente o mais talentoso cronista
português, muito em especial na forma escrita. Mas não deixa por isso de exibir
as suas subjetividades, sejam elas decorrentes de estados de alma que o
atravessam, de ódios de estimação que a vida o levou a acumular (quiçá muito
justamente) ou de fixações que se lhe foram instalando a nível intelectual. Com
as inerentes contradições, algumas das quais geradoras de conflitualidades
inconsequentes – como a sua diatribe contra os sociólogos, que o António
Figueiredo já aqui denunciou (post de 6 de maio) e ainda aguarda desenvolvimentos…
É visível quanto
VPV gosta de se sentir “enfant terrible” e de se guindar a justiceiro de
causas. Esquerda e “Europa” (com aspas, pois claro), em doses balanceadas,
estão entre os principais alvos da ironia e do desprezo que comandam a sua
matriz analítica, ainda que não deixe de introduzir quanto possível condimentos
de ordem nacional (muitos absolutamente deliciosos, aliás). Mas à força de
querer prosseguir uma saga impiedosa e arrasadora, VPV subtrai ou soma de
acordo com critérios nem sempre óbvios ou até mesmo reveladores de lacunas e
desconhecimentos de causa, o que por vezes não lhe permite acrescentar. Como
quando frequentemente se refugia em vulgatas datadas ou “clichés” hiperbólicos.
Ou como quando simultaneamente rejeita os malefícios do “economicismo” e
importa os seus esquemas deterministas para sustentar a inevitável morte do
Estado-providência e do modelo social europeu. Ou como quando confunde o
processo comunitário de integração económica com assistencialismo e pedinchice.
Ou como quando se refere a uma implícita virtude dos pagadores e a uma explícita
improcedência de uma mutualização que dá por adquirida sem cuidar de avaliar os
demais termos (incluindo alguns que o historiador conhece) de uma equação
dotada de outra complexidade. Ou, ainda, como quando visa fazer passar
axiomaticamente a tese da impossibilidade de um projeto europeu que, sem
prejuízo de incontáveis avanços e recuos, já ultrapassou a meia-idade em
condições de significativa estabilidade político-social e prosperidade económica.
E no entanto…
Sim, no entanto, VPV pensa e faz pensar. Como bem o evidenciam os seus três
artigos do último fim de semana no “Público”. Especialmente “A democracia e a
‘Europa’”, onde sustenta três ideias que vale a pena explorar e debater
(criticamente, como se impõe): o nascimento da “Europa” numa situação histórica
que não podia durar e de um conjunto de interesses que não se podiam
reproduzir, a perda de uma força integradora provocada pelo fim da guerra fria
e o consequente regresso dos nacionalismos, a criação da Zona Euro como ”último
ato de um delírio obviamente destinado a acabar mal”.
Uma referência
também a “E o resto?”, onde VPV aplica a sua acutilante mestria no
prolongamento de uma focagem atenta – e mordaz como só ele consegue – das
dimensões política, social e histórica de uma realidade lusitana que vê
remetida a um irremediável destino de irrelevância e empobrecimento. Escreve
desta vez: “A verdade é que o país, neste momento sem dinheiro, está intacto e
pronto para voltar aos seus queridos vícios. O movimento ‘neoliberal’, que a
esquerda tanto teme, não o abalou.”
Hiper-realista,
VPV aceita o vazio e tem horror a uma sua qualquer ocupação. E como é da
natureza da vida dar sempre razão ao pessimismo, as razões de VPV tenderão
sempre a fazer vencimento final. Por acréscimo, no quadro de um sistema
intrinsecamente contraditório e ciclicamente em crise.
Entre virtudes e
defeitos, aplausos e apupos, sorrisos e irritações, verdades e injustiças, VPV
nunca é neutro nem facilita a indiferença. Por isto e mais aquilo, é bom ir encontrando
o cronista de Sexta a Domingo…
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