A publicação do Relatório do Banco de Portugal sobre o comportamento da economia portuguesa no ano de 2011 constitui uma oportunidade única, que se repete anualmente, de
parar para pensar. Ou seja, oportunidade para refletir serenamente sobre uma informação
que sabemos fidedigna, analiticamente sugestiva e rigorosa, convidando
designadamente os economistas a um esforço enriquecedor de interpretação e de
cruzamento com as suas próprias convicções.
O
relatório tem uma densidade de informação e análise apreciável que fica bem no
cotejo com qualquer informação similar proveniente do Eurosistema e que exige
leitura posterior mais aprofundada.
Porém,
numa leitura rápida fortemente orientada pela procura da informação relativa
aos temas que me interessam recorrentemente, não resisto a destacar do relatório
algumas notas que considero muito relevantes para a compreensão das nossas angústias
de situação.
O
primeiro tópico diz respeito à avaliação global do programa de ajustamento
imposto pelo resgate financeiro.
Numa
primeira avaliação de ordem global, o relatório afirma que:
“Os riscos em torno da
implementação do Programa permanecem significativos, incluindo não só elementos
de natureza interna – associados nomeadamente à resistência expectável de
alguns agentes económicos à concretização do vasto conjunto de reformas previsto
na área estrutural – mas também fatores de natureza externa, que se manifestam
no recrudescimento recorrente das tensões associadas à crise da dívida soberana
na área do euro”.
A referência às resistências internas é desenvolvida mais
adiante, precisando melhor os seus contornos:
“Um outro tipo de dificuldade prende-se com resistências
à mudança por parte daqueles que beneficiam das rendas e distorções existentes.
Estas resistências tendem a ser mais fortes quando as distorções concentram
benefícios num grupo limitado de agentes, com capacidade de pressão social e
política, e os custos estão dispersos pelo conjunto dos agentes económicos. As
reformas em curso impõem por isso forte capacidade de negociação, podendo, em
alguns casos, envolver o estabelecimento de períodos de transição e cláusulas
de salvaguarda” (P.134).
No fundo, o que estamos aqui a destacar é a referência
aos efeitos económicos da captura do Estado, um problema que tem minado
consideravelmente a discussão sobre os padrões de intervenção pública em
Portugal e que me leva em alguns dossiers
a partilhar a opinião de perspetivas mais liberais sobre a condução de certos
aspetos da política económica.
Se volto à carga é porque, no ano de 2011, e o relatório
também destaca pertinentemente esse facto, a produtividade aparente do trabalho
no setor privado diminuiu cerca de 0,2%, num comportamento que não é muito
recorrente, tendo a produtividade hora de trabalho diminuído globalmente na
economia de -2,4%.
Com estes valores muito pouco promissores de futuro, não
espanta que a melhoria de quota de mercado observada pelas exportações
portuguesas (em si própria a prova de alguma resiliência do sistema produtivo
mais exposto ao exterior) tenha sido conseguida sobretudo por via da queda das
remunerações reais e daí a descida dos custos unitários em trabalho. Com os défices
de produtividade que a economia portuguesa ainda apresenta, melhorar os custos
unitários em trabalho por via das remunerações e não da produtividade é um
facto portador de ineficiência dinâmica a mais longo prazo.
A última nota diz respeito ao corte brutal do
investimento público em 2011 (cerca de 30% de queda da formação bruta de
capital fixo pública). Se o investimento privado continua a sua senda de queda
sistemática (-7,3%, -10,1% e -7,8% em 2011, 10 e 09 respetivamente), é
sobretudo a queda do investimento público face ao aumento de 17,9% em 2010 que
marca sobretudo a diferença.
Enquanto não se libertarem recursos de financiamento e não
forem criadas condições de mercado para inverter estas duas variáveis, o discurso
do crescimento continuará no domínio da retórica.
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