Imagino que a grande maior parte dos que possam ler
o que aqui se vai escrevendo já não tenham ou possam nunca ter tido o bom
hábito de ler um pouco de banda desenhada. Pato Donald ou Mickey, Reizinho ou
Príncipe Valente, Billy the Kid ou Kit Carson, Flash Gordon ou Mandrake, Tintin
ou Astérix, Lucky Luke ou Michel Vaillant, Garfield ou Mafalda, Spirou ou Corto
Maltese…
Pois aí está uma excelente oportunidade para
emendarem a mão. Trata-se de “Persépolis”, um livro
de banda desenhada da autoria da iraniana Marjane Satrapi (2003) e cuja versão
cinematográfica (de Vincent
Paronnaud com a própria) foi nomeada em 2008 para o Óscar de melhor filme de
animação mas uma obra que só recentemente foi editada entre nós pela
Contraponto. Autobiográfico, ilustrado a preto e branco, a meio caminho entre o
enganadoramente ingénuo e o trabalhosamente simples, atravessado por uma escrita informada e expressiva.
Persépolis era a antiga capital do Império Persa e localizava-se no atual
Irão. É por referência a essa “antiga e grandiosa civilização” que Marjane
Satrapi relata a sua história – uma infância cuja educação liberal entra em
choque com as normas da revolução islâmica, uma adolescência marcada por uma experiência
europeia na Áustria, um regresso a Teerão dominado pela inadaptação, uma saída
definitiva para Paris –, procurando simultaneamente evidenciar os grandes
movimentos e contradições de uma sociedade iraniana bem mais complexa do que a
propaganda vai fazendo passar e desmontar uma injusta imagem “quase sempre
associada ao fundamentalismo, ao fanatismo e ao terrorismo”.
Não é um livro político, nem
fundamentalmente um livro sobre o Irão. É, muito mais do que isso, um
testemunho pessoal perante as marcas e os contextos do crescimento e os encontros
e desencontros da vida. O indivíduo, a família e a sociedade, talvez mesmo por esta
ordem…
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