sábado, 9 de junho de 2012

INTERROGAÇÕES SOBRE O TARGET


(Um pouco técnico talvez para este blogue)
TARGET, ou mais propriamente o Trans-European Automated Real-Time Gross Settlement Express Transfer System, ou para os mais entendidos TARGET2, tem estado recentemente na berlinda, mais propriamente a partir de 2008-2009.
O Target 2 é no fundo um sistema de compensação operado pelo Banco Central Europeu que estabelece diariamente as responsabilidades e os créditos líquidos dos bancos centrais nacionais do Euro-sistema entre si. O sistema começou na prática a ser notado quando, a partir de 2008, os bancos centrais da Irlanda, de Portugal, da Espanha e da Grécia começaram a ver as suas responsabilidades líquidas a aumentar significativamente, em montante não substancialmente diferente do aumento dos créditos líquidos do Bundesbank.
Os economistas e analistas são frequentemente vidrados por simetrias como estas. E, como seria de prever, emergiu em torno do tema uma vasta bibliografia e um debate intenso sobre o significado mais profundo da referida simetria mesmo que aproximada. O VOX é um blogue-sítio WEB que tem dado uma ampla cobertura ao tema. Algumas interpretações que surgiram no âmbito do debate foram erradamente utilizadas para intoxicar a opinião pública alemã, sobre a não justificada precariedade atribuída à posição alemã credora no interior do Euro-sistema.
Eu próprio, no último post sobre esta matéria, talvez tenha induzido o leitor menos atento a uma interpretação um pouco enviesada, quando discutia a aparente contradição entre a melhoria mais recente observada nas balanças correntes das economias do sul, a continuada subida dos créditos líquidos do Bundesbank e o persistente aumento das responsabilidades líquidas daquelas economias perante o Euro-sistema. Em conversa com alguém que sabe destas coisas muito mais do que eu, apercebi-me desse risco de má interpretação e aqui está uma tentativa de correção do alvo, que por coincidência também se chama TARGET. Mas devo reconhecer que o tema é extremamente complexo e que só quem o viva por dentro das instituições financeiras terá dele uma perspetiva mais fina.
No meu comentário, foquei-me essencialmente na consequência de fluxos, seja das necessidades de financiamento determinadas por défices externos, seja pelo fenómeno mais recente do “bank run”. Mas essa focagem implica que se esqueça dois outros aspetos que, esses sim, explicam determinantemente o fosso crescente entre créditos (Alemanha) e responsabilidades líquidas (Europa do sul):
  •      Em primeiro lugar, o fenómeno começou a ocorrer quando os bancos dos países da Europa do Sul tiveram que começar a refinanciar-se junto dos respetivos bancos nacionais;
  •          Em segundo lugar, o foco nos fluxos tende a ignorar a importância do stock da dívida e do seu refinanciamento, cujo efeito é similar, pois o não acesso regular aos mercados privados exige que ele se processe junto do banco central e em última instância junto do Euro-sistema; em termos práticos, o banco periférico paga a sua dívida junto do banco privado “alemão” que o financiava com o empréstimo junto do banco central periférico, ao passo que o banco privado “alemão” deposita essa importância junto do seu próprio banco central. A realização da operação por via do sistema de compensação TARGET determina, assim, a emergência de uma responsabilidade líquida e de um crédito líquido junto do Euro-sistema.
Esta situação explica porque, antes de 2008-09, apesar dos défices elevados de balanças correntes, o TARGET não era notado. O financiamento desses desequilíbrios era assegurado por via do financiamento privado e não exigia a intervenção dos bancos centrais nacionais.
O aumento dos créditos líquidos da Alemanha no âmbito do TARGET resulta assim de repatriamento de fundos alemães e do efeito de desvio de fundos de residentes da Europa do Sul dirigido para os bancos alemães. Os economistas Sebastian Dullien e Mark Schieritz concluíram em artigo no VOX de 7 de Maio 2012 que o repatriamento de fundos alemães constitui a parte decisiva do aumento dos créditos líquidos alemães. Os números apontados pelo referido artigo, para o período de 2008 a janeiro de 2012, falam de uma diminuição dos créditos dos bancos alemães relativamente à zona euro de cerca de 390 mil milhões de euros, enquanto que o Bundesbank terá aumentado os seus créditos líquidos no âmbito do TARGET de cerca de 390 mil milhões de euros. Por isso, provocatoriamente, afirmam na conclusão do seu artigo:
“Por isso, a liquidez proporcionada pelo BCE e que está traduzida no sistema TARGET tornou possível que os bancos alemães trouxessem o seu dinheiro de regresso a casa. Sem a intervenção do BCE, a tentativa de deixar cair ativos na periferia teria conduzido provavelmente a defaults no setor bancário e na economia em geral, o que teria feito baixar o valor desses ativos. Os aforradores alemães – cujo dinheiro é, em última instância, gerido pelos bancos – devem por conseguinte regozijar-se com o aumento dos créditos líquidos do Bundesbank no TARGET”.
Assistimos, assim, na prática a uma transferência de risco dos balanços do setor privado alemão para os balanços do setor público e parece questionada a tese da expropriação das poupanças alemãs. Isto explica também a importância decisiva do regresso tão rápido quanto possível dos bancos nacionais aos mercados do financiamento internacional, questão que por vezes é claramente desvalorizada no comentário interno.
E já agora esperemos que logo a seleção os ponha também na ordem.

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