sexta-feira, 22 de junho de 2012

A GRANDE ILUSÃO


Ontem falei do jogo de sombras em torno das saídas para a crise do euro ou diretamente para o impasse final, a propósito da entrevista de Benoit Coeuré do BCE ao Financial Times. Como previa, hoje, numa longa entrevista ao El País, Mario Monti, 1º ministro de Itália, retoma a ideia e defende preto no branco que o Fundo de Resgate associado ao Instrumento Europeu de Estabilidade Financeira deve comprar títulos soberanos, adivinhem de quem? E fá-lo dramatizando, como convém: uma semana para evitar o caos! Quando é que já ouvi isto?
No meio destes falsos momentos de clímax, vão-se perdendo as ideias sobre as quais vale a pena refletir.
Tendo reatado nos últimos tempos o contacto e a troca de reflexões com um grande economista angolano, que estudou na Faculdade de Economia do Porto, José Cerqueira, e que se doutorou em França na universidade onde lecionava Bernard Schmitt, seu orientador e velho amigo e mestre de sempre, encontro nas suas ideias uma das mais lúcidas e refrescantes interpretações sobre a crise do Euro.
Faço-o através de um artigo de opinião publicado em Maio no jornal económico angolano Expansão, com versão ainda não disponível na versão online do jornal. O artigo é apenas a ponta singela de uma investigação que estou certo há de um dia vir a lume e que permitirá apreender a relevância do pensamento deste economista.
O argumento central de José Cerqueira exposto no referido artigo de opinião poderia resumir-se na ideia de que a criação do euro assenta na grande ilusão de que existe uma moeda única. Mas a prática de funcionamento do Euro-sistema mostra que os euros portugueses não são iguais aos espanhóis e aos alemães. Chamam-se assim e daí a ilusão de que existe uma moeda única. Mas no fundo o que subsiste é uma paridade fixa de 1 para 1 entre os euros portugueses e alemães. Se assim não fosse o sistema de pagamentos internacionais entre Portugal e a Alemanha funcionaria como o sistema de pagamentos entre os estados da Califórnia e Nova Iorque nos Estados Unidos da América. Os problemas de balança de pagamentos afinal existem e os desequilíbrios entre créditos e responsabilidades líquidas no âmbito do sistema TARGET 2 assim o evidenciam.
Sem querer entrar no aprofundamento deste argumento central, vale sim a pena identificar os cenários que Cerqueira antevê limpidamente:
  • A implosão do sistema e provavelmente do projeto de construção europeia;
  • A assunção efetiva de uma moeda única e a consequente criação de um sistema de pagamentos compatíveis, tecnicamente um sistema de pagamentos inter-regionais, com as correspondentes condições intrínsecas, um verdadeiro Banco Central para a zona euro;
  • A criação de uma moeda comum para os pagamentos internacionais no seio da zona euro e entre esta e o seu exterior face a outras moedas e a manutenção de moedas nacionais para os pagamentos intra-país; nada mais, nada menos do que um sistema inspirado nos contributos que Keynes propôs na antecâmara das negociações que conduziram a Bretton Woods e que acabou na altura por ser rejeitado.
Os desenvolvimentos em torno sobretudo do último cenário transcendem o âmbito deste post. Mas o que é possível concluir é que qualquer arremedo de solução imperfeita de qualquer uma das duas últimas soluções será sempre instável, como aliás temos percebido.
E o mais importante é pensar como foi possível vender uma ilusão tão grande como a da moeda única. Não haverá aqui uma premeditação vinda dos lados do Bundesbank em fixar uma paridade unitária para todo o sempre entre os tais euros que parecem um único, mas que afinal e verdadeiramente não o são?

Sem comentários:

Enviar um comentário