Nada mais apropriado do que recuperar aqui a velha canção em que Chico Buarque dizia que “foi bonita a festa, pá”. A “festa” durou, de facto, vinte anos – iniciou-se em 1992 com uma aquisição na Galiza (Corporación Noroeste S.A.) e foi-lhe ontem passado o óbito formal com a conclusão da OPA da Camargo Corrêa, ato a que se seguirá agora a verdadeira partilha dos despojos entre irmãos brasileiros.
Quase tudo é exemplar neste processo Cimpor. De entre
os aspetos mais apelativos, realçaria os seguintes dez:
1. A dedicação
e a capacidade estratégica do homem que, à frente da empresa de 1992 a 2001,
comandou a sua internacionalização – “de uma empresa doméstica a uma pequena
multinacional”, nas suas próprias palavras – e a abandonou “com alguma pena”
quando a mesma deixou de ostentar capitais públicos: o Eng.º
António
de Sousa Gomes.
2. A estúpida
ilusão que alguns de nós foram alimentando no sentido de que podia ser
português (ou de base portuguesa) o décimo grupo cimenteiro mundial, dotado de
operações em 13 países e 4 continentes.
3. A forma como
a miopia estratégica, a inabilidade política e a inexperiência técnica e
empresarial têm acabado, quase sempre em Portugal, por servir os interesses
associados a um certo tipo de “bloco central dominante” – tudo começou, no
passado mais recente, com uma compra pela Caixa Geral de Depósitos de 9,58% da
Cimpor a Manuel Fino que incluia um prémio de quase 1 euro por ação e se
pretendia que evitasse a manifestação de prejuízos de 80 milhões nas contas CGD
de 2008.
4. A constante
presença, nestas situações, de “testas de ferro” das mais diversas formas e
feitios, sendo que os mais “guichos” sempre conseguem manter-se à tona em nome
de quaisquer superiores interesses, nomeadamente dos da preservação da
estabilidade acionista aos de que as circunstâncias mudam – recorde-se p.e.
que, em 2010, o Presidente da CGD declarava não estar vendedor na OPA da CSN
(6,18 euros) e sublinhava “a importância deste acordo [parassocial com a
Votorantim] para os acionistas portugueses da Cimpor, que permite evitar um
desmembramento da empresa que não lhe seja favorável”, tendo acabado agora por
demorar apenas 26 minutos para aceitar incondicionalmente uma oferta de 5,5
euros.
5. O forçado
reconhecimento a que somos levados quanto à ineficácia prática (ou
injustificação?) da existência de um banco público no enquadramento
institucional e partidário reinante – como disse Pedro Santos Guerreiro, “a
Caixa não é um banco, é mesmo uma extensão do Ministério das Finanças, um pau
mandado do Governo”.
6. O débil e
secundário rentismo a que acabam por se ver reconduzidos os “grandes”
empresários nacionais, quase sempre divididos entre a aflição dos diferentes
momentos e a oportunidade de uma terminação na taluda de outros (abaixo, Pedro
Maria Teixeira Duarte por Óscar, http://ideiasprooscar.blogspot.pt).
7. A notória
evidência de que não há, assim, centros de controlo ou decisão nacional a
preservar, certamente porque não existirá patriotismo na economia mas também, e
pior, porque tal proclamação constitui a fórmula mágica de alguns políticos,
entre encornados bem-intencionados e comissionistas menos isso.
8. A saudação
que é devida a quem – goste-se ou não da cartilha liberalizante dos ditos
(Gaspar, Borges e Passos, por esta ordem) – consegue resultados, designadamente
ao aplicar de modo competente um intervencionismo disfarçado e um dirigismo sem
contemplações: aceite-se porque sim!
9. A saudação
adicional que é também devida a quem pugnou pelo interesse público, pela
transparência e pelo esclarecimento dos cidadãos, Basílio Horta na primeira
linha de um condigno exercício das funções que lhe cabem na Assembleia da
República.
10. A patética
declaração feita por Faria de Oliveira no Parlamento, que surge aliás como um
momento culminante de desfaçatez: “Eu acredito que a sede se vai manter em
Portugal”!
Paz à sua/nossa alma…
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