quarta-feira, 20 de junho de 2012

FIEL, A AGENDA DE CRESCIMENTO E O KARAOKE


Ontem, no JN, Jorge Fiel publicou uma crónica tão imaginativa pelo menos quanto algumas das associações que por vezes povoam alguns dos posts com que vamos alimentando este blogue, desculpando a imodéstia deste juízo.
A crónica chama-se “Agenda do Crescimento e karaoke” e parte de um vídeo de Rachel Perry Welty (Karaoke Wrong Number) que integra a coleção do moderno Institute of Contemporary Art de Boston que é seguramente posterior à minha única passagem por aquela bem aristocrática cidade americana. Sem conhecer o museu e a respetiva coleção é difícil compreender o fascínio que aquela peça terá suscitado no cronista. Mas o que fundamentalmente interessa é que Jorge Fiel parte desse fascínio para se atirar à pretensa retórica com que as lideranças políticas têm invocado a referida agenda (nela incluindo o que segundo ele constitui o aliviamento do nó de gravata proposto por António José Seguro). E termina, e está no seu direito de opinião, dizendo que para uma agenda de crescimento de karaoke ou de truque de ventríloquo, concluindo que se “a receita for a do costume (aumento da despesa e da dívida pública) sou capaz de preferir aguentar o frio do pacote de austeridade ditado pela troika”.
Comento esta crónica sobretudo porque ela corresponde a um determinado tipo de senso comum que se está a instalar, sobretudo por força da incapacidade de associar uma crítica fundamentada do programa da Troika com ideias firmes e consistentes.
Trata-se de uma agenda para o qual o presente blogue se sente motivado, julgando ter dado já alguns contributos nesse sentido.
Fiel parece não compreender, em primeiro lugar, que a cartilha da austeridade (mais de ventríloquo do que de karaoke) não está a ser capaz de propor uma estratégia de transição consistente com uma situação global mais favorável da economia global, de modo sobretudo a potenciar o tão apregoado ajustamento em favor dos transacionáveis. De facto, não podemos aceitar que as diferentes delegações da Troika que visitam Portugal, a Grécia e a Irlanda e provavelmente a Espanha continuem a perspetivar as situações sobre avaliação como se nada se passasse nas restantes. E não o podemos aceitar porque os custos sociais de tal sobranceria são demasiado elevados para ficar calado.
Depois, o problema a superar é que uma agenda de crescimento para a Europa não pode deixar de ser diferenciada em função das transições que é necessário assegurar nos modelos de crescimento para cada uma das economias. Como se entende, Portugal e a Irlanda não requerem o mesmo tipo de mudanças. Por exemplo, um grande programa europeu de modernização infraestrutural tem de transformar-se necessariamente num fato à medida para cada. Por exemplo, as infraestruturas ferroviárias e logísticas tenderão a adquirir em Portugal uma relevância acrescida, assegurando entre outros aspetos que o tema da economia de baixo carbono comece a preocupar os aprendizes de Marquês de Pombal ou de Duarte Pacheco que surgiram por aí na última década de governação.
Noutro plano, é necessário de uma vez por todas clarificar o teor apregoado das reformas estruturais. Tudo indica que a situação atual reclama já menos reformas no mercado de trabalho e muito mais, pelo menos resultados que se vejam, em matéria de justiça e de organização da administração pública para a competitividade. Menos ideologia inconsequente de Estado mínimo encapotado e mais propostas concretas. Um guia possível: olhar para os diferentes itens do indicador do World Forum of Competitiveness e apostar na melhoria de alguns índices portugueses. O Ministro Álvaro e a sua equipa devem conhecer o indicador. Por isso, têm aí um guia de compromisso.
Mas uma agenda de crescimento não pode seguramente ignorar dois aspetos adicionais.
A necessidade de estabilizar uma visão estratégica de mais longo prazo para a configuração do sistema produtivo português, que tenha em conta os investimentos consideráveis que estão a ser concretizados sobretudo no Norte e no Centro em matéria de desenvolvimento tecnológico. Imaginar que esse esforço se repercutirá imediatamente em exportação como pensa pelos vistos o Secretário de Estado Carlos Oliveira equivale a pensamento lunático. A estabilização dessa visão é crucial para que as políticas públicas (as que restarem) possam convergir para esse objetivo e que não entrem no domínio da volatilidade inconstante das mudanças de legislatura.
Finalmente, não haverá uma agenda de crescimento sem uma agenda para a esfera organizacional das empresas. E aqui será fundamental clarificar o que se espera do financiamento bancário a 10 anos. Uma agenda para a esfera organizacional das empresas exige a já referida administração pública para a competitividade e desta pouco ou nada se viu.

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