Ontem, no JN, Jorge Fiel publicou uma crónica tão
imaginativa pelo menos quanto algumas das associações que por vezes povoam
alguns dos posts com que vamos alimentando este blogue, desculpando a imodéstia
deste juízo.
A crónica chama-se “Agenda do Crescimento e karaoke” e
parte de um vídeo de Rachel Perry Welty (Karaoke Wrong Number) que integra a
coleção do moderno Institute of Contemporary Art de Boston que é seguramente posterior à minha única passagem por aquela
bem aristocrática cidade americana. Sem conhecer o museu e a respetiva coleção é
difícil compreender o fascínio que aquela peça terá suscitado no cronista. Mas
o que fundamentalmente interessa é que Jorge Fiel parte desse fascínio para se
atirar à pretensa retórica com que as lideranças políticas têm invocado a
referida agenda (nela incluindo o que segundo ele constitui o aliviamento do nó
de gravata proposto por António José Seguro). E termina, e está no seu direito
de opinião, dizendo que para uma agenda de crescimento de karaoke ou de truque de ventríloquo, concluindo que se “a receita
for a do costume (aumento da despesa e da dívida pública) sou capaz de preferir
aguentar o frio do pacote de austeridade ditado pela troika”.
Comento esta crónica sobretudo porque ela corresponde a
um determinado tipo de senso comum que se está a instalar, sobretudo por força
da incapacidade de associar uma crítica fundamentada do programa da Troika com
ideias firmes e consistentes.
Trata-se de uma agenda para o qual o presente blogue se
sente motivado, julgando ter dado já alguns contributos nesse sentido.
Fiel parece não compreender, em primeiro lugar, que a
cartilha da austeridade (mais de ventríloquo do que de karaoke) não está a ser
capaz de propor uma estratégia de transição consistente com uma situação global
mais favorável da economia global, de modo sobretudo a potenciar o tão
apregoado ajustamento em favor dos transacionáveis. De facto, não podemos
aceitar que as diferentes delegações da Troika que visitam Portugal, a Grécia e
a Irlanda e provavelmente a Espanha continuem a perspetivar as situações sobre
avaliação como se nada se passasse nas restantes. E não o podemos aceitar
porque os custos sociais de tal sobranceria são demasiado elevados para ficar
calado.
Depois, o problema a superar é que uma agenda de
crescimento para a Europa não pode deixar de ser diferenciada em função das
transições que é necessário assegurar nos modelos de crescimento para cada uma
das economias. Como se entende, Portugal e a Irlanda não requerem o mesmo tipo
de mudanças. Por exemplo, um grande programa europeu de modernização
infraestrutural tem de transformar-se necessariamente num fato à medida para
cada. Por exemplo, as infraestruturas ferroviárias e logísticas tenderão a
adquirir em Portugal uma relevância acrescida, assegurando entre outros aspetos
que o tema da economia de baixo carbono comece a preocupar os aprendizes de
Marquês de Pombal ou de Duarte Pacheco que surgiram por aí na última década de
governação.
Noutro plano, é necessário de uma vez por todas
clarificar o teor apregoado das reformas estruturais. Tudo indica que a situação
atual reclama já menos reformas no mercado de trabalho e muito mais, pelo menos
resultados que se vejam, em matéria de justiça e de organização da administração
pública para a competitividade. Menos ideologia inconsequente de Estado mínimo
encapotado e mais propostas concretas. Um guia possível: olhar para os diferentes
itens do indicador do World Forum of
Competitiveness e apostar na melhoria de alguns índices portugueses. O Ministro
Álvaro e a sua equipa devem conhecer o indicador. Por isso, têm aí um guia de
compromisso.
Mas uma agenda de crescimento não pode seguramente
ignorar dois aspetos adicionais.
A necessidade de estabilizar uma visão estratégica de
mais longo prazo para a configuração do sistema produtivo português, que tenha
em conta os investimentos consideráveis que estão a ser concretizados sobretudo
no Norte e no Centro em matéria de desenvolvimento tecnológico. Imaginar que
esse esforço se repercutirá imediatamente em exportação como pensa pelos vistos
o Secretário de Estado Carlos Oliveira equivale a pensamento lunático. A estabilização
dessa visão é crucial para que as políticas públicas (as que restarem)
possam convergir para esse objetivo e que não entrem no domínio da volatilidade
inconstante das mudanças de legislatura.
Finalmente, não haverá uma agenda de crescimento sem uma
agenda para a esfera organizacional das empresas. E aqui será fundamental clarificar
o que se espera do financiamento bancário a 10 anos. Uma agenda para a esfera
organizacional das empresas exige a já referida administração pública para a
competitividade e desta pouco ou nada se viu.
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