Ainda há quem se ocupe a procurar descobrir/explorar
saídas construtivas no seio da incorrigível Zona Euro. Um dos casos mais
notórios é o de Mark Cliffe, o economista-chefe que de Londres tem coordenado
os excelentes relatórios produzidos pela equipa “Eurozone & Economic
Strategy” no quadro da crescentemente prestigiada “Financial Markets Research”
do Grupo ING. O acabado de publicar “Roads to survival – how EMU break-up could
be avoided” é o exemplo mais recente e um dos mais marcantes, sendo justamente
mercedor de um “flavour” em torno de breves apontamentos.
O estudo parte de dois pressupostos: o
de que são cada vez mais os “céticos” quanto à atual via de uma “combinação de
austeridade orçamental e reformas estruturais” e o de que há caminhos de
sobrevivência possíveis. Utilizando uma lógica de cenarização a médio prazo centrada
num mapeamento de três dimensões principais – os três R’s: reforma, reflação e
redistribuição –, o trabalho desemboca em sugestivas “combinações estilizadas” (os
grandes cenários estruturados no gráfico seguinte). Sendo que, por força da
própria realidade e por imperativo metodológico, as mudanças políticas a
ocorrerem nunca serão certamente bacteriologicamente puras (i.e., confinadas a
uma das dimensões) e que haverá deslocamentos nas opções políticas e nas
escolhas económicas, com as inerentes calibragens e alterações de trajetória.
Num extremo, “Austeria” é a extensão da
prescrição advogada pelos germanófilos (um compacto de “austeridade
assimétrica” e “destruição criativa”), agora finalmente assumida como “too big
to succeed” e indutora de mais resgates. Nos outros extremos, dois
cenários-limite: uma versão economicista do sonho federal (“Europhilia”,
algures na transição entre uma “união de transferências” e uma “união
orçamental”) e uma flexibilização agressiva da política monetária e cambial
europeia com os inerentes riscos de generalização do protecionismo à escala
mundial (“Inflationia”).
Pelo meio, os cenários de defesa mais
factível a curto prazo da união económica e monetária europeia através de fissuras
no atual círculo vicioso entre solvência de bancos e solvência de países, seja
nos termos de uma “união bancária” (Draghia”) – incluindo um relaxamento da
política monetária, recapitalização de bancos, garantias de depósitos,
supervisão e procedimentos de resolução – ou nos de uma “união de financiamento”
(“Bondia”) – juntando ao anterior uma evolução no sentido da emissão de
“eurobonds”.
Os três cenários sobrantes (“Switzerland”,
“America” e “Krugmania”) correspondem a variantes de uma “união de transferências”
(entre menos pública e mais descentralizada, menos pública e mais liberal ou
mais pública e keynesiana).
O quadro abaixo dá uma ideia das consequências direcionais de cada um dos cenários-base (somando-lhes ainda a identificação da questão “Grexit”) numa perspetiva de médio prazo (dois a cinco anos), assim permitindo aquilatar mais solidamente o que poderá vir a estar em jogo.
Termino referindo que este relatório foi
a grande fonte inspiradora do artigo de Martin Wolf no “Financial Times” desta
semana (“A new form of European union”). Arriscando alguma sobreposição, dele sublinho
cinco ideias em cinco tópicos:
·
a Zona Euro está dominada pela improvisação e carece urgentemente
de reformas que conjuguem a viabilidade política com a praticabilidade
económica;
·
a sobrevivência da Zona Euro pode ser adequadamente pensada
em termos de um desafio de reequacionação dos desequilíbrios externos e
internos associados ao incontinente endividamento do pré-crise;
·
há alternativas que as presentes situações políticas e
económicas descartam, da falhada receita da austeridade fiscal à hipótese de
uma união federal em todo o seu alcance, passando ainda pela inexequibilidade
de uma “união de transferências” (um sistema de transferências permanentes dos
Estados membros mais ricos para os mais pobres);
·
a sugestão de se explorar uma combinação de duas
ideias: uma “insurance union” (existência de apoio temporário e objetivado aos
países atingidos por grandes choques, um mecanismo coletivo assente no
princípio de que todos beneficiam da sobrevivência da união) e uma “adjustment
union” (existência de ajustamentos simétricos a mudanças de circunstãncias,
incluindo mudanças no financiamento, tendo por base a imprescindibilidade de
maior despesa e inflação nos países centrais);
·
a ideia forte de que qualquer equilíbrio tem de ser largamente
conseguido no interior da Zona Euro, designadamente devido ao facto de a
economia mundial não apresentar atualmente condições estruturais para incorporar
uma Europa excedentária.
Uma imensidão de temas para novas incursões…
existe a este respeito um excelente post de Paul Krugman...
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