Entendida como evento isolado, sobretudo destacado de uma
perspetiva de sustentabilidade a prazo da arquitetura do euro, a cimeira
europeia de sexta- feira passada trouxe para a cena das complexas negociações o
peso da dimensão de duas economias em dificuldades, Espanha e Itália. Em termos
práticos, talvez os ganhos que revertem para a Espanha sejam mais significativos
do que o alívio conseguido por Itália na frente dos custos do financiamento
soberano em mercado. A possibilidade da ajuda à banca espanhola provir
diretamente do futuro Mecanismo Europeu de Estabilidade e até lá do atualmente
existente EFSF e de tal empréstimo não ser acompanhado do estatuto de
senioridade pode de facto ser considerado uma vitória espanhola. Mas
adivinha-se que a consistência da posição negocial italiana, protagonizada por
Monti, amplamente comunicada na preparação da cimeira (a entrevista ao El País,
aqui comentada neste blogue, é marcante nesse sentido), pesou fortemente no
desfecho da jogada de póquer.
Mas há que ter em conta que muito dificilmente a posição
de força da Espanha e da Itália (curiosamente os finalistas do outro Euro)
teria espaço para se transformar no fator crucial da negociação sem a eleição
de Hollande. Parece claro a posteriori
que a maioria dos analistas políticos desvalorizou as consequências da vitória
eleitoral de Hollande. Ela quebrou a sintonia franco-alemã dos primeiros rounds
e abriu caminho ao aparecimento de novos protagonistas.
Numa perspetiva de longo prazo, a indefinição estrutural
subsiste. A arquitetura monetária evolui lentamente e por passos para uma
situação em que a união política ganha forma como estritamente necessária. Mas
o que acontece é que essa trajetória política não está minimamente preparada e é
discutível que democraticamente ela corresponda ao querer último dos povos
envolvidos.
O atabalhoamento do projeto económico e a ainda
indeterminação da arquitetura monetária em construção, de que a criação de uma
supervisão bancária central em torno do BCE constituirá um passo significativo,
podem comprometer a cedência da soberania política.
E, dado que as condições de desequilíbrio (superavitários
versus deficitários) que se verificam nas relações correntes entre o norte e o
sul da zona euro permanecem sem ajustamento à vista, num contexto em que a
generalidade dos países envolvidos depende do espaço económico do euro para
escoar parte significativa das suas exportações (ver gráfico abaixo), a
perspetiva de longo prazo tem de ser mais cautelosa.
Comecei nos últimos dias a mergulhar nos trabalhos
preparatórios e reflexões que levaram Keynes a propor nos anos 40 uma proposta
de solução para a criação de uma moeda comum internacional que fosse capaz de
apoiar a reconstrução dos equilíbrios económicos mundiais. É espantosa a preocupação
e meticulosidade de Keynes em nunca dissociar a posição relativa de credores
(superavitários) da dos países devedores (deficitários) e sobretudo a de evitar
que o ajustamento se traduzisse por um processo deflacionário.
Como o mundo precisaria hoje de alguém capaz de combinar
a genialidade e o rigor teórico com a capacidade de discutir e defender essas
ideias numa luta permanente com a decisão política.
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