segunda-feira, 4 de junho de 2012

AS IMPRECISÕES DO SENHOR BORGES

(Foto Rodrigo Cabrita/Global Imagens)

Já foi aqui neste blogue analisada a entrevista de António Borges ao Diário Económico, parcialmente reiterada em entrevista à SIC Notícias. O meu colega e entusiasta deste blogue Freire de Sousa analisou em pormenor essa entrevista e identificou na mesma imprecisões ou na melhor das hipóteses afirmações pelo menos controversas. Tudo isto para além da proposta de redução salarial como recuperação da competitividade da economia portuguesa e com ela do crescimento económico. Já me referi ao assunto, denunciando o suicídio dinâmico que tal descida implicaria para a economia portuguesa, invertendo sinais que o cálculo económico empresarial terá começado a internalizar mediante ajustamentos orientados para a inovação.
As imprecisões do senhor Borges começam a ser demasiado frequentes. Já dei aqui o exemplo da sua interpretação quanto aos resultados da governação de 1985 a 1995, cujos ventos sopravam de feição para a sua carreira profissional, segundo a qual a economia portuguesa teria erradicado de vez o modelo da competitividade-salário, para evoluir para um outro o da competitividade-produtividade.
Nestes dias, alguém me lembrou uma outra aparição pública do senhor Borges, mais propriamente num artigo para a revista EXAME de Outubro de 2011. Nessa entrevista, para além de considerações sobre a desalavancagem da economia portuguesa e comportamento do crédito que transcendem o objetivo do post de hoje, o senhor Borges belisca já o tema da redução salarial. O que é interessante notar é que o referido artigo foi objeto de um comunicado-esclarecimento do Banco de Portugal datado de 30 de Setembro de 2011. Parte desse comunicado respeita a imprecisões do artigo em torno do problema do crédito e da redução do rácio crédito-depósitos decidido para a banca portuguesa. Não é essa dimensão que me interessa destacar.
O aspeto relevante é a parte do beliscar do tema da redução salarial.
No referido artigo, afirma-se que: A perda de competitividade é estimada pelo Banco de Portugal em cerca de 35% - o que significa que teríamos de alterar o rácio entre os preços dos sectores protegidos e dos não protegidos por esse montante”.
O esclarecimento do Banco de Portugal dessa data refere simplesmente o seguinte: “As estimativas do Banco de Portugal apontam para uma apreciação real acumulada inferior a 10 por cento desde o início da área do euro (sublinhado meu) (ver caixa “Custos unitários do trabalho relativos em Portugal: questões metodológicas e evolução na última década” Boletim Económico do Banco de Portugal, Verão de 2010). Estas estimativas encontram-se corrigidas do enviesamento decorrente da metodologia de contabilização das transferências do Estado para a Caixa Geral de Aposentações no âmbito das Contas Nacionais na base 2000”.
Em meu entender, isto significa que o senhor Borges não é lá muito bom a fazer contas, ou pelo menos a interpretar as contas de outros, e que lá vai cometendo as suas imprecisões ao serviço de uma agenda que não se compreende muito bem qual é, já que é feita de arremetidas e recuos. Qualquer um pode ter a sua agenda, por mais sofisticada ou vulgar que se apresente. O que já não é aceitável é quando essa agenda mergulha no interior do interesse público, sem escrutínio político democrático, ainda por cima num tema tão central e decisivo para a clarificação das contas públicas como por exemplo o tema das parcerias público-privadas.
E não são imprecisões inocentes. Bem podem personalidades como Marcelo Rebelo de Sousa ou António Lobo Xavier vir em defesa do senhor Borges atestando a sua competência profissional. Mas, face a esse tipo de agendas, importa que não nos tomem por parvos.

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