sexta-feira, 15 de junho de 2012

MOVIMENTAÇÕES EM TORNO DO ABISMO

(amizademarcia.blogspot.com)

Sobre o rigor do jornalista José Manuel Fernandes estamos conversados. Este senhor ou simples candidato a isso, cavalga normalmente as “boas” causas, foge como o diabo da cruz dos temas da reflexão mais fraturante e aqui está no caso vertente a colar-se às posições alemãs nesta antecâmara (diria melhor vertigem) do abismo em que a zona euro está mergulhada.
No artigo do Público de hoje, JMF agarra-se a outra dicotomia: os que sabem fazer contas (os alemães) e os que estão aflitos. E incomoda-se, coitado, com a pressão que a Europa realiza sobre o livro de cheques alemão e sobre a guardiã Frau Merkel que tal como o gigante do Manuel Neuer, guardião da seleção alemã, tenta manter inviolável (salvo seja) o referido livro.
Mas tal como noutras oportunidades e noutros artigos, JMF normalmente descai-se e cede facilmente à falta de rigor. No artigo em questão, no meio de considerações potencialmente interessantes, como por exemplo a referência ao voluntarismo da chamada “União dos 4 presidentes (Barroso, Rompuy, Draghi, Juncker), lá nos brinda com uma invocação ou citação de um economista alemão a que já me referi neste blogue, Hans-Werner Sinn, que tem procurado incendiar a opinião pública alemã sobre interpretações abusivas, precipitadas, diria mesmo não inocentes, sobre a natureza dos desequilíbrios que, no âmbito do já também aqui referido sistema TARGET 2, a Alemanha tem favoravelmente acumulado em relação a esse sistema, por contrapartida das responsabilidades líquidas dos países da Europa do Sul têm contraído face a esse mesmo sistema.
Se uma pinga de rigor atravessasse a mente de JMF, para temperar as suas derivas ideológicas, JMF teria tido a abertura de citar a imensa controvérsia que as posições de Sinn têm despertado junto de algumas revistas e blogues, como é o caso do VOX, também aqui já profusamente citado. Voltarei a esta questão em próximo post, sobretudo para mostrar que o debate é bem mais rico e interessante do que uma mente pouco rigorosa como a de JMF pode imaginar.
Ou teria feito referência a uma proposta que está em cima da mesa das negociações proposta pelo Conselho Alemão dos Peritos Económicos, designado na imprensa internacional como o Fundo de Resgate da Zona Euro, cuja ideia principal gira em torno de uma mutualização da dívida de cada país acima dos 60% do PIB, que conduzirá a uma versão atenuada dos eurobonds. Esta posição vinda de dentro da Alemanha dificilmente estará ausente de cenários de recuo de negociação que a senhora Merkel, embora tenha por contrapartida uma difícil negociação (sobretudo para os endividados do sul) em torno de eventuais aprofundamentos do pacto fiscal.
Curiosamente, esta forma de mutualização parcelar da dívida também faz parte da aprovação por parte do Parlamento Europeu de um texto legislativo de iniciativa da deputada Elisa Ferreira que, nas suas palavras: "Pela primeira vez, num texto legislativo apoiado por cerca de 80% do Parlamento, aparece uma proposta concreta de um instrumento para financiar o crescimento e as políticas anti-crise e a criação de "euro-obrigações", começando pela gestão em comum da dívida que excede os 60% do PIB”. A importância desta votação evidencia alguma viragem na agenda política e legislativa europeia e esperemos que tenha alguma projeção no triângulo, pouco amoroso, “Parlamento, Comissão e Conselho”.
Da falsa metáfora de Merkel ao comparar a economia da zona euro à economia familiar de uma família alemã pacata e aforradora à nova dicotomia (JMF) entre os que sabem fazer contas e os aflitos há uma coisa que as une: a falta de rigor.

Sem comentários:

Enviar um comentário