domingo, 10 de junho de 2012

ANATOMIA DE UM RESGATE

(Ilustração de Luís Tinoco no El País de 10.06.2012)

Os jornais espanhóis de hoje constituem um espantoso manancial informativo e de reflexão sobre o processo de resgate financeiro dirigido à banca espanhola e que será executado por via do FROB, organismo interno espanhol dedicado ao saneamento da banca.
O ineditismo do modelo de resgate utilizado cuja eficácia só os próximos ditarão se será ou não efetiva tenderá a suscitar reservas de equidade e de igualdade de tratamento entre os restantes países, com a Irlanda à cabeça, já que constitui a situação-tipo mais próxima da espanhola. Tudo é fruto do empurrar da situação da zona euro para a frente sem forjar uma solução estruturada que parece madura em torno da criação de uma unidade de supervisão bancária central para a zona euro (a tal União Bancária) da qual se fala como um dos resultados possíveis (otimistas) da próxima cimeira de fins de Junho.
Na sua linha editorial robusta que o El Pais pratica, a edição hoje impressa do jornal oferece um contributo valioso à compreensão de todo o processo, para além do esgrima político que o resgate irá seguramente implicar, recontextualizando o futuro próximo da ação política do PP. O suplemento Domingo que tem uma ilustração preciosa de Luís Tinoco e que só por si vale a compra do jornal tem um artigo que vale a pena e que se chama “O Balanço do Fracasso”. Aí é possível tomar conhecimento com as condições que levaram à constituição do Bankia.
Esta instituição foi criada para, em princípio, reunir os ativos considerados sãos das sete Cajas Ahorros que deram origem ao BFA (Banco Financiero de Ahorros), em cuja constituição se destacava a presença da Caja Madrid e da Bancaja (Comunidade Valenciana), fortemente ancoradas na gestão política PP. O BFA detinha inicialmente 52% do capital de Bankia, tendo os restantes 48% sido colocados em bolsa. Hoje sabe-se que esta operação está na base do fiasco financeiro mais relevante de toda a história financeira espanhola e deixa interrogações sérias sobre todo o processo até à nacionalização das duas instituições.
As sete Cajas de Ahorros que estão na origem da constituição do BFA encerram tipicamente, talvez com maior relevância nos casos da Caja Madrid e da Bancaja, dois traços do nível alarmante de endividamento privado que estão por detrás da crise espanhola:
  •      Uma ligação imbricada mas generalizadamente reconhecida de todas estas instituições ao core do modelo imobiliário espanhol, insustentável quer do ponto de vista da promoção imobiliária pura e dura, quer do ponto de vista da solvência das famílias;
  •   Um exemplo do que poderíamos chamar de “crony capitalism” (capitalismo de compadrio), regionalizadao, ancorado em redes partidárias identificadas com as diferentes comunidades autónomas e que foram objeto, pelo menos em Madrid, de intensa luta política pelo poder no interior do PP; o artigo dá exemplos de controversas nomeações para os conselhos de administração quer do BFA, quer do Bankia, numa rede típica de “crony capitalism” que nos habituámos a ver nas crises asiáticas de 1997-98, mas que agora estão aí ao pé da porta.
No relatório que o FMI dedicou à situação bancária espanhola, só os chamados bancos internacionais surgem mais distantes da exposição imobiliária, estando esses riscos fortemente concentrados nos bancos anteriormente caixas e que foram já objeto de ajudas do estado espanhol e do FROB.
O modelo das comunidades autónomas espanholas aparece assim inapelavelmente ligado ao resgate financeiro agora assumido, manchando irreversivelmente o que entendíamos ser uma particularidade virtuosa do modelo espanhol de descentralização. Aliás, já o tinha percebido quando, observando a subida do nível de endividamento dessas comunidades e verificando que os governos regionais escapavam em grande medida ao ónus tributário da política fiscal. Uma estranha forma de fazer política: endividar-se e não assumir maioritariamente o ónus da política tributária. Por outras palavras, fazer política por via apenas da despesa pública é de facto a negação da luta política democrática. Os resultados estão à vista.
Começa agora um outro período a seguir com atenção. Vão ser lançados processos judiciais da sociedade civil contra todo o este processo. O movimento dos Indignados reuniu hoje fundos para custear despesas judiciais de demandar Rodrigo Rato, banqueiro que dirigiu o Bankia até à recente nacionalização.

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