Os dados são contraditórios. Certamente porque o são também os protagonistas e as suas escolhas. O que é típico da mudança e da transição para ela, sobretudo de uma mudança tão profunda, complexa e longa como a que se desenrola sob os nossos olhos. Independentemente de para onde ela nos possa vir a conduzir.
Neste quadro, toda a análise só pode ser precária e tentativa.
Porque, se nunca o futuro se deduz de uma simples extrapolação do passado, as
configurações a nascerem de momentos como o atual podem ser fundamentalmente
imperscrutáveis em tempo real. Mas a informação acessível, mesmo a um
observador normal, sempre vai permitindo a junção de algumas pistas.
Peguemos, pela sua adquirida centralidade, na palavra de Alexis
Tsipras (acima enfrentando Merkel numa ilustração de Rainer Hachfeld em http://www.neues-deutschland.de) tão subitamente espalhada pelo mundo
e que seguidamente sistematizo numa tipologia tripartida.
·
Tipo
A – acantonamento numa espécie de “superioridade moral”:
“it
was not your fault – it was theirs” / “the fish always stinks from its
head” / “lutar contra a economia subterrânea, que se tornou uma espécie de
gangrena na economia grega” / “as coisas não se passam como se tivéssemos um
gene especial que nos torna evasores fiscais” / “não consigo compreender porque
é que, nos últimos dois anos e meio, andamos à roda da nossa cauda quando se
trata de tributação” / “não queremos desculpar-nos por um setor público que não
criamos”;
·
Tipo
B – diagnóstico por dentro do sistema:
“a razão [da crise] está na estrutura
sobre a qual a união económica e monetária europeia foi construída”,
especialmente “a falta de um banco central que possa atuar como banco central”
/ “a política que queremos implementar – sem austeridade mas dentro da Zona
Euro – é a única realista” / “evitar mais pauperização deste país” / “quando
alguém está na bancarrota e, em lugar de lhe dar a oportunidade de trabalhar
para pagar a dívida, se lhe concedem empréstimos para pagar os últimos
compromissos sob condição de que nunca mais trabalhe” / “um [caminho] conduz a
uma morte lenta e tortuosa e o outro é o caminho da recuperação e da dignidade,
que é difícil mas conduzirá a sair da crise” / “não precisamos de tempo, precisamos
de vontade política”;
·
Tipo
C – aposta no “bluff” contra a chantagem e consequente esticar de corda:
“a Grécia está numa situação tipo
guerra fria” em que “ambos os lados podem carregar num botão e destruir tudo,
sabendo que não haverá vencedores no final” / “isto é um problema comum”, ou
seja, um problema grego, de Merkel, da Europa, do mundo / “uma guerra entre o
povo e o capitalismo” / “se eles pararem de financiar a Grécia, darão luz verde
aos mercados para expandirem a sua especulação agressiva a Espanha e Itália e
estes países serão também atirados para fora dos mercados” / “os europeus têm
de compreender que não temos qualquer intenção de avançar com um movimento
unilateral” e “só seremos forçados a atuar se eles atuarem unilateralmente e fizeram
o primeiro movimento” e, ainda, “se eles pararem o financiamento, não seremos
capazes de pagar aos credores” / “acredito que os líderes europeus terão a
coragem de reconhecer que é melhor admitirem o seu erro do que arriscar o
bem-estar de milhões de pessoas pela Europa fora”.
Procurando afastar quaisquer juízos de valor, diria que se
pressentem indícios de uma inédita conjugação de circunstâncias:
- por um lado, interesses privados atingidos pelos excessos da sua própria desregulação/extensão global e assim colocados na defensiva (p.e., os bancos alemães não têm a solidez e a estabilidade da economia alemã no seu conjunto), embora em continuada procura de limitação dos danos e de reposição das condições de acumulação – “aqueles que ganharem as próximas eleições terão de decidir se aceitam estas condições ou não”, tudo “depende dos gregos”;
- por outro lado, a ação pública de um povo atordoado/revoltado e de um agrupamento partidário (formado por ativistas oriundos de várias esquerdas revolucionárias) que inesperadamente parece ir-se predispondo a recuar no romantismo utópico dos seus princípios fundadores e assim querer acomodar a prática concreta e a negociação.
Talvez que uma mais provável chegada à frente da “Nova Democracia”
em 17 de junho signifique que nada disto venha a ter qualquer importância
efetiva (ver o meu post “Contas gregas” de 4 de junho e a estimativa das
probabilidades atribuídas pelo “Deutsche Bank” no quadro acima). Sendo que, se o
improvável ocorresse e o SYRIZA fosse o mais votado, tanto poderíamos estar face
a uma aventura perigosa como na antecâmara de uma situação dotada de alguns ingredientes
de inovação político-social…
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