(Jornal Público, 09.06.2012)
O Público de sábado passado dedicou uma página (12) ao
tema do desemprego de diplomados, na sequência da análise ao recente relatório
do Ministério da Educação e da Ciência (GPEARI).
Ainda que não tenha tido ainda oportunidade de ler
atentamente esse relatório, os dados que o artigo do Público entendeu destacar
são por si só interessantes e suscitam já uma ampla reflexão. Em meu entender,
os dados que foram destacados configuram o resultado de desequilíbrios muito
diversificados no complexo “matching” entre oferta e procura de qualificações
(mais propriamente entre oferta de qualificações e procura de competências) que
caracteriza atualmente o mercado de trabalho e a economia portuguesa em geral.
Por exemplo, a análise da percentagem de diplomados que
se encontram em situação de desemprego em instituições com mais de 10000 alunos
traz por si só uma primeira introdução á territorialização daquele complexo “matching”.
Assim, nas 10 instituições com percentagens mais elevadas
de diplomados desempregados, não será por acaso que aí encontramos com grande
peso e notoriedade universidades e politécnicos públicos implantados em territórios
do interior do país. E se descermos até ao 11º postos encontramos a
Universidade do Algarve. Parece-me haver aqui uma clara associação entre os números
encontrados e a situação de vazio produtivo em que esses territórios se
encontram. Pode dizer-se que tais universidades e politécnicos não formam
necessariamente para a inserção regional e que a mobilidade no território
poderia compensar esse anátema. Mas a experiência mostra que nos últimos tempos
os “hinterlands” dessas instituições
estão a confinar-se às suas regiões naturais de inserção. O que não deixa de
ser uma contradição, pois o incremento de recursos humanos doutorados nessas
instituições tende a “universalizar” a formação e, sobretudo nos politécnicos,
a sua matriz original de forte inserção com o meio através das formações
ministradas é hoje mais ténue.
Nestas condições, dois efeitos se complementam
viciosamente nesses territórios de inserção mais confinada: a demografia, sim
esse efeito que aparentemente o saber universitário deveria ter antecipado, e o
vazio produtivo dessas regiões de inserção, no qual de deserto de políticas de
reordenamento territorial da atividade produtiva.
A outra família de resultados prende-se com as áreas de
estudo em que a percentagem de diplomados sem emprego é maior.
Aqui também é possível apreender desequilíbrios de
natureza diversa no referido processo de matching
de oferta e procura de qualificações.
Assim, por exemplo, encontrar no top 10 áreas como as ciências
empresariais, a arquitetura e construção e a engenharia e técnicas afins pode
equivaler seguramente ao efeito recessivo da atividade económica, assim como na
área da saúde podemos ter o efeito da consolidação orçamental. Mas encontrar no
segundo lugar do ranking a formação de professores e ciências da edução com
quase 8000 diplomados em situação de desemprego apontará em meu entender para
outras razões. Dir-me-ão que também aqui encontraremos o efeito de termos um
Ministério da Finanças que se substituiu ao da Educação propriamente dito e que
todas as “otimizações” em curso na Escola apontam para maus presságios tendo em
vista a diminuição daqueles 8000 diplomados. Em meu entender, aqui o efeito da
demografia também conta e estamos perante um fenómeno, a meu ver claro, de
negligenciamento do ritmo de crescimento pertinente da oferta.
Não teremos certamente no futuro próximo um Hollande indígena
a propor a contratação de 60000 novos professores como em França. O sistema educativo
português, dada a sua explosão recente e a “paixão” de alguns governantes não
terá atingido o mesmo grau de degradação que a escola pública francesa que
justifica o aparente despesismo de Hollande. Mas, mesmo contando com a corrida desenfreada
à reformas antecipadas que se verificou entre os professores (tão ativos nos
tempos da governação anterior e aparentemente apáticos neste desaparecimento da
tutela) e com alguma folga orçamental que se desenhe no horizonte a prazo, o
ritmo de crescimento da oferta parece-me desproporcionado. E a oferta pública
nesta matéria não está isenta desse problema. Este desequilíbrio justificaria
alguma ofensiva de coordenação de política governamental nesta matéria. Por
exemplo, as licenciaturas e mestrados nestas áreas deveriam merecer uma ampla
revisão a pensar já na probabilidade elevada desses diplomados não irem exercer
a profissão para a qual orientaram a sua estratégia de procura de instituições.
Mas aqui como noutros domínios a inação do Governo é intrigante.
Em recente trabalho profissional de reposicionamento competitivo
que realizei para uma instituição universitária privada apercebi-me de outro
problema. As licenciaturas em torno dos domínios da informática e dos sistemas de
informação continuam a verificar uma queda anómala de procura, aparentemente
inexplicável com a elevada empregabilidade de pelo menos algumas licenciaturas.
Consultando várias opiniões sobre o tema, constatei que o efeito “matemática” é
muito dissuasor. Ou seja, o problema mais geral de iliteracia matemática que
grassa na sociedade portuguesa estará a afastar jovens de formações com
empregabilidade senão assegurada, pelo menos elevada. Paradoxo tremendo.
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