segunda-feira, 18 de junho de 2012

A LETÓNIA E A CARTILHA


Com Portugal e Grécia a revelar as conhecidas dificuldades de encontrar um equilíbrio entre consolidação orçamental e competitividade/crescimento e a Irlanda, apesar da sua base exportadora já instalada, continuar bastante aquém dos níveis de produto pré-crise, o mito da austeridade expansionista carece de efeitos de demonstração. Ou seja, não há cartilha sem o seu herói e estes neste caso não abundam. Bastaria os níveis de desemprego em todas estas experiências para abalar qualquer cartilha, mas os seus autores convencionaram ignorar a dimensão desse flagelo social.
Por isso, a Letónia tem sido apontada pelos autores da cartilha como um exemplo de recurso.
A Letónia, depois de um surto de crescimento significativo, experimentou os impactos da crise internacional, invertendo rapidamente a sua performance macroeconómica, solicitando ajuda do FMI. A curiosidade está no facto da Letónia ter assumido um programa de ajustamento fiscal, embora rejeitando aceitar a depreciação da sua moeda.
A recuperação que a Letónia conseguiu em quatro anos em termos de crescimento e de equilíbrios na balança corrente externa e nas contas públicas é agora apontada como o tal exemplo que faltava à cartilha tão deles necessitada.
Mas diferentes economistas têm questionado o efeito demonstração do caso Letónia, sobretudo a sua replicabilidade noutros contextos.
Hoje, menciono sobretudo o caso de Olivier Blanchard (MIT), atualmente nas funções de economista-chefe do FMI.
Em artigo recente no VOX, relembra primeiro os custos substanciais do ajustamento operado, designadamente sociais, assinalando a perda de produto observada (ainda abaixo cerca de 15% do nível pré-crise) e os ainda 16% de desemprego (redução apenas de 5 pontos percentuais face ao máximo observado durante o penoso ajustamento). Blanchard identifica depois as condições de especificidade do caso letão, mostrando-se muito crítico sobre a replicabilidade da experiência noutros contextos.
Não vou aqui recuperar todos os elementos sublinhados por Blanchard. Limitar-me-ei a destacar duas das especificidades por ele identificadas. Primeiro, uma grande parte dos ganhos de competitividade consistiu em ganhos de produtividade, apesar do ajustamento descendente de salários públicos. Depois, a forte especificidade do peso da dívida: inicialmente ele não ultrapassava os 10% do PIB, situando-se atualmente em torno dos 40% do PIB. E já não cito a orientação fortemente exportadora da economia, já que essa característica é também partilhada pela Irlanda.
Resumindo, das reflexões do economista-chefe do FMI ressalta a ideia de que tentar projetar a experiência da Letónia como paradigma insinuante para as economias do sul parece não colher. E, por isso, a cartilha continua a não ter evidência disponível para demonstrar a sua presumida eficácia.

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