quarta-feira, 6 de junho de 2012

NÃO DIZ A LETRA COM A CARETA


Via Karl Whelan, um economista de Dublin que tem refletido bastante sobre este tema, o gráfico acima descreve o comportamento da balança de transações correntes dos países (em percentagem dos respetivos PIB) sujeitos a programas de ajustamento (Portugal, Grécia e Irlanda) e em dificuldades derivadas da crise das dívidas soberanas e/ou de imparidades do sistema bancário.
Mais por força do efeito recessivo do que propriamente por um forte crescimento das exportações (embora, por exemplo, em Portugal, a resiliência do setor exportador seja apreciável), as balanças correntes têm reduzido os seus défices externos. A Comissão Europeia estima mesmo que, em 2012, a Irlanda tenha a balança superavitária. A este facto não é estranho a capacidade exportadora instalada da Irlanda, sobretudo associada a uma tradição de capital estrangeiro, de orientação fortemente exportadora.
Este comportamento de melhoria das balanças correntes destes países implicaria, em princípio, que os países financiadores destes défices (com a Alemanha à cabeça e beneficiários por via das suas exportações desta propensão importadora dos países em dificuldades) estivessem a observar uma desaceleração desse financiamento. Défices menores, menores necessidades de financiamento. Ora, de acordo com o sistema de compensações no interior do Euro-sistema (o já aqui falado sistema TARGET), isto implicaria que os países financiadores (principalmente a Alemanha) estivessem a ver diminuídos os seus créditos líquidos no interior no interior do Euro-sistema.
Mas, de acordo com o gráfico acima, publicado pelo Financial Times há alguns dias, o que se verifica é exatamente o contrário. Os créditos líquidos da Alemanha estão, pelo contrário, a aumentar. Como é que se percebe então que esses créditos líquidos estejam a aumentar com as balanças correntes a comportar-se favoravelmente e a reduzir as necessidades de financiamento externo? Se repararem na curva fortemente descendente da Espanha, que evidencia que as responsabilidades espanholas estão a aumentar abruptamente, percebe-se porque é que a letra não diz com a careta.
O que acontece é que, apesar do bom comportamento das balanças correntes, a propagada fuga de capitais traduz-se no fim de contas num aumento dos créditos líquidos do banco central alemão sobre o Euro-sistema. Na verdade, mais do que uma fuga de capitais propriamente dita, o que se observa é que nos países em dificuldades como a Espanha são dadas ordens de transferência (escritural) para bancos “seguros”, que adquirem assim um crédito líquido sobre o Euro-sistema.
O que isto significa é que isto é, sem dúvida, mais importante do que o confronto sugestivo entre estes dois gráficos. Na verdade, mesmo que os programas de ajustamento tenham andamento favorável na frente externa da balança corrente, isso pode não ser suficiente para estarem a salvo. O problema central do “bank run” está aí e as súplicas do Governo espanhol até metem dó, sobretudo de uma força política que cultiva como ninguém a arrogância.


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