domingo, 3 de junho de 2012

MIGUEL & FRANCISCO


Interessante edição do “Conversas Improváveis” (conduzido pelos jornalistas Anselmo Crespo e Bernardo Ferrão a partir do Casino da Figueira da Foz), ontem à noite na SIC Notícias.

Este é o momento em que Miguel Sousa Tavares interpela Francisco Louçã nos seguintes termos: “Ó Francisco, já agora, posso fazer-lhe uma pergunta que estou há um ano para lhe fazer? Posso? Agora que o apanho a jeito…” A essência da dita pergunta tem a ver com uma questão que vem de longe e é filha da irredutível separação produzida nas esquerdas, originariamente (e ao longo de quase todo o século passado) entre reforma e revolução, mais recentemente opondo a social-democracia à esquerda radical (ambas sob formas diferentes de expressão nacional): “Porque é que você derrubou um governo do Partido Socialista sabendo que a seguir vinha um governo de direita?”


Transcrevo três excertos do diálogo que se seguiu:

- FL: Mas eu não derrubei o governo do Partido Socialista.
- MST: Desculpe, ajudou a derrubá-lo. Votou contra o PEC 4 sabendo que o engenheiro Sócrates se demitiria, como se demitiu nesse dia. (…)
- FL: Repare, houve quatro PECs. Os três primeiros foram negociados pelo governo Sócrates, estamos a falar dele, com a direita. E entenderam-se. Todos eles agravaram a crise. E chegou ao quarto, que não conseguiu negociar com a direita. E era o pior de todos. Ele supunha coisas como privatização da TAP, privatização dos CTT, privatização de toda a energia em Portugal…
- MST: Não temos tudo isso agora?
- FL: Temos, com certeza que sim, mas eu voto por valores. Desculpe mas eu não vou aprovar aquilo que eu sei que destrói a economia do meu país na expectativa de que sejam estes ou outros a fazer as mesmas medidas.
- MST: Você sabia que a seguir vinha pior do seu ponto de vista.
- FL: Desculpe, mas está-me a pedir calculismo.
- MST: Isso é viver numa de quanto pior melhor…
- FL: Não é, não senhor. O governo não se entendeu com a direita e caíu porque não se entendeu com a direita. Para fazer políticas de direita – que é a privatização ou a destruição do Serviço Nacional de Saúde, eu lembro que o governo Sócrates, todos os hospitais que construiu, entregou ao Grupo Mello ou ao Grupo Espírito Santo, todos, não me peçam para participar nisso porque eu sei o que isso vai fazer à saúde dos mais pobres em Portugal – eu nisso não participo. Portanto, eu não podia votar.
- MST: Mas você participou na instauração de um governo de direita.
- FL: Miguel, pode insistir as vezes que quiser. Mas eu não aprovei um programa que tinha a certeza, em consciência, que ia prejudicar os portugueses. (…).Portanto, o Governo tinha duas hipóteses, não tinha que se demitir, Sócrates não tinha que se demitir pelo PEC ser recusado, não era uma moção de censura…
- MST: Você sabia que ele se ia demitir, toda a gente sabia.
- FL: Isso era a chantagem política que ele tinha. Podia fazer um acordo com a direita, podia fazer um acordo com a esquerda. Ele tinha maioria de um lado ou doutro.
- MST: Toda a gente sabia, ou era o PEC 4 ou era o resgate do País, pronto. E você escolheu o resgate.
- FL: Não, não, não, não.
- MST: Eu considera que você é um dos responsáveis pela chegada da Troika a Portugal.
- FL: Mas isso é irresponsável, Miguel. É irresponsável e até é gratuito. Porque, na política, o pior que se pode fazer às pessoas é pedir-lhes um voto e dizer assim: olha, depois vou fazer uma traficância com o teu voto (…). Não, não faço isso, não faço isso.


- MST: Eu acho que nessa altura a ideia que passou para fora “estamos satisfeitos, chegou a Troika, Portugal foi resgatado, nós agora temos uma posição de oposição confortável, nós somos contra tudo o que vier aí, estamos de fora disto, não temos nada a ver, nós vamos a jogo mas não sujamos as mãos (…). Eu acho que isso foi uma posição fácil. Eu acho que o Bloco de Esquerda devia ter ido, foi irresponsável em não ter ido falar com a Troika e é irresponsável em muitas coisas em que não tenta perceber que nós estamos numa posição de resgate, quer dizer aquilo que nos aconteceu não foi uma escolha política nem dos portugueses nem deste governo nem do anterior. Nós chegamos a um momento em que o ministro das Finanças diz “em 20 de junho acabou-se o dinheiro, o Estado não paga salários, acabou, o que é que fazemos?”. É muito bonito dizer “ai, nós não queremos que o Serviço Nacional de Saúde acabe, nós não queremos…” – eu também não quero que a TAP seja privatizada, eu não quero nada disso, estou contra tudo o que tem sido feito em Portugal no último ano -, agora temos que dar uma alternativa, essa é uma responsabilidade de quem está no poder. E a alternativa tem que partir da consciência de que não havia dinheiro. (…)
- FL: A nossa diferença é que… - eu acho que devíamos ter ido à reunião da Troika, já o disse publicamente e repito exatamente o que disse nessa altura, acho que foi mal percebido e acho que era importante ter feito esse conflito – agora, eu olho é para quem defende a Troika como inevitável e digo “é preciso tanta irresponsabilidade!” Alguém que nos diz “já tinha que ser, temos de fazer o que eles mandam”; mas de tanto abdicaram essas pessoas – os governantes, em particular -, de tanto abdicaram – o Partido Socialista, que diz que não pode ser de outra forma, paciência, uma austeridade inteligente (…)

- FL: O que se está a passar agora em Portugal são 20% de desemprego, é uma recessão como nós nunca vimos. E há homens, que são os homens da Troika com o apoio dos partidos que apoiaram a Troika, que nos dizem “há sempre uma solução que é baixar os salários”. Eu acho que há um limite de dignidade – que é o que os gregos atingiram e em nome do qual se levantaram e é por isso que são os únicos que fazem frente à senhora Merkel, os únicos que podem ajudar a Europa a parar a selvajaria da senhora Merkel – e espero que nós, povo português, cheguemos lá, tenhamos a mesma força. Porque há uma única certeza que eu tenho em todos estes debates, as soluções são sempre difíceis mas há uma certeza que eu tenho: é que o que nos foi dado como única alternativa, não é alternativa para nada; porque o que está a ser feito, destrói tudo e a dívida vai ser muito maior.
- MST: (…) Eu estou inteiramente de acordo com o diagnóstico que o Francisco fez. Acho que nós, nós e os gregos, estamos a servir de laboratório para uma experiência pioneira, que é saber se se pode recuperar as finanças públicas num país destruindo a sua economia. E a resposta até agora tem sido não, todos os indicadores dizem que não. A minh discordância, voltando atrás e pela última vez, é que eu já sabia que ia ser assim. E eu não acredito que o Francisco Louçã, professor de Finanças, não soubesse também. Vinha a Troika e ia ser isto, tínhamos o exemplo da Grécia à vista. E, portanto, eu acho que devíamos ter evitado isso de qualquer maneira, deveríamos ter evitado, acho, sinceramente que acho.
- FL: Desculpe-me a franqueza, eu não me estou a referir a si. Mas as pessoas que nos dizem que, se tivesse havido o PEC 4, se evitava o resgate e a intervenção financeira são aldrabões de cartilha.
- MST: O PEC 4 tinha sido aprovado pela senhora Merkel.
- FL: O PEC 4 era a Troika…

Incursões laterais à parte, talvez um tema a merecer novas visitas…

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