Interessante edição do “Conversas Improváveis” (conduzido pelos jornalistas Anselmo Crespo e Bernardo Ferrão a partir do Casino da Figueira da Foz), ontem à noite na SIC Notícias.
Este é o momento em que Miguel Sousa Tavares interpela Francisco
Louçã nos seguintes termos: “Ó Francisco, já agora, posso fazer-lhe uma
pergunta que estou há um ano para lhe fazer? Posso? Agora que o apanho a jeito…”
A essência da dita pergunta tem a ver com uma questão que vem de longe e é
filha da irredutível separação produzida nas esquerdas, originariamente (e ao
longo de quase todo o século passado) entre reforma e revolução, mais
recentemente opondo a social-democracia à esquerda radical (ambas sob formas diferentes
de expressão nacional): “Porque é que você derrubou um governo do Partido Socialista
sabendo que a seguir vinha um governo de direita?”
Transcrevo três excertos do diálogo que se seguiu:
- FL: Mas eu não
derrubei o governo do Partido Socialista.
- MST: Desculpe,
ajudou a derrubá-lo. Votou contra o PEC 4 sabendo que o engenheiro Sócrates se
demitiria, como se demitiu nesse dia. (…)
- FL: Repare,
houve quatro PECs. Os três primeiros foram negociados pelo governo Sócrates,
estamos a falar dele, com a direita. E entenderam-se. Todos eles agravaram a
crise. E chegou ao quarto, que não conseguiu negociar com a direita. E era o
pior de todos. Ele supunha coisas como privatização da TAP, privatização dos
CTT, privatização de toda a energia em Portugal…
- MST: Não temos
tudo isso agora?
- FL: Temos, com
certeza que sim, mas eu voto por valores. Desculpe mas eu não vou aprovar
aquilo que eu sei que destrói a economia do meu país na expectativa de que
sejam estes ou outros a fazer as mesmas medidas.
- MST: Você sabia
que a seguir vinha pior do seu ponto de vista.
- FL: Desculpe,
mas está-me a pedir calculismo.
- MST: Isso é
viver numa de quanto pior melhor…
- FL: Não é, não
senhor. O governo não se entendeu com a direita e caíu porque não se entendeu
com a direita. Para fazer políticas de direita – que é a privatização ou a
destruição do Serviço Nacional de Saúde, eu lembro que o governo Sócrates,
todos os hospitais que construiu, entregou ao Grupo Mello ou ao Grupo Espírito
Santo, todos, não me peçam para participar nisso porque eu sei o que isso vai
fazer à saúde dos mais pobres em Portugal – eu nisso não participo. Portanto,
eu não podia votar.
- MST: Mas você
participou na instauração de um governo de direita.
- FL: Miguel,
pode insistir as vezes que quiser. Mas eu não aprovei um programa que tinha a
certeza, em consciência, que ia prejudicar os portugueses. (…).Portanto, o
Governo tinha duas hipóteses, não tinha que se demitir, Sócrates não tinha que
se demitir pelo PEC ser recusado, não era uma moção de censura…
- MST: Você sabia
que ele se ia demitir, toda a gente sabia.
- FL: Isso era a
chantagem política que ele tinha. Podia fazer um acordo com a direita, podia
fazer um acordo com a esquerda. Ele tinha maioria de um lado ou doutro.
- MST: Toda a
gente sabia, ou era o PEC 4 ou era o resgate do País, pronto. E você escolheu o
resgate.
- FL: Não, não,
não, não.
- MST: Eu
considera que você é um dos responsáveis pela chegada da Troika a Portugal.
- FL: Mas isso é
irresponsável, Miguel. É irresponsável e até é gratuito. Porque, na política, o
pior que se pode fazer às pessoas é pedir-lhes um voto e dizer assim: olha,
depois vou fazer uma traficância com o teu voto (…). Não, não faço isso, não
faço isso.
- FL: A nossa
diferença é que… - eu acho que devíamos ter ido à reunião da Troika, já o disse
publicamente e repito exatamente o que disse nessa altura, acho que foi mal
percebido e acho que era importante ter feito esse conflito – agora, eu olho é
para quem defende a Troika como inevitável e digo “é preciso tanta
irresponsabilidade!” Alguém que nos diz “já tinha que ser, temos de fazer o que
eles mandam”; mas de tanto abdicaram essas pessoas – os governantes, em
particular -, de tanto abdicaram – o Partido Socialista, que diz que não pode ser
de outra forma, paciência, uma austeridade inteligente (…)
- MST: (…) Eu
estou inteiramente de acordo com o diagnóstico que o Francisco fez. Acho que
nós, nós e os gregos, estamos a servir de laboratório para uma experiência
pioneira, que é saber se se pode recuperar as finanças públicas num país
destruindo a sua economia. E a resposta até agora tem sido não, todos os
indicadores dizem que não. A minh discordância, voltando atrás e pela última
vez, é que eu já sabia que ia ser assim. E eu não acredito que o Francisco
Louçã, professor de Finanças, não soubesse também. Vinha a Troika e ia ser
isto, tínhamos o exemplo da Grécia à vista. E, portanto, eu acho que devíamos
ter evitado isso de qualquer maneira, deveríamos ter evitado, acho,
sinceramente que acho.
- FL: Desculpe-me
a franqueza, eu não me estou a referir a si. Mas as pessoas que nos dizem que,
se tivesse havido o PEC 4, se evitava o resgate e a intervenção financeira são
aldrabões de cartilha.
- MST: O PEC 4
tinha sido aprovado pela senhora Merkel.
- FL: O PEC 4 era
a Troika…
Incursões laterais à parte, talvez um tema a merecer novas visitas…
Sem comentários:
Enviar um comentário