sábado, 2 de junho de 2012

AINDA A REDUÇÃO SALARIAL

(Reproduzido do Jornal Público, 02-06-2012)
Do alto da sua cátedra de influência (e, pelos vistos, que influência a ponto de ser apontado como ministro-sombra), António Borges proclamava junto da Ana Lourenço na SIC Notícias que ou os salários descem ou o desemprego persistirá.
Conversa para papalvo com iliteracia económica engolir, pois isolar a situação portuguesa do contexto da competitividade no interior da zona euro, na qual o desequilíbrio existente só pode ser resolvido no quadro de uma solução económica global concertada, constitui um simplismo grotesco.
O estatuto de ministro-sombra parece assim ter surgido como uma escapatória do próprio governo que coloca na boca do seu elemento fora do baralho afirmações que gostaria por certo de produzir mas que o cálculo político não permite. Haverá por certo mais candidatos a essa função.
António Borges representa bem a mais despudorada ortodoxia económica. A flexibilidade do mercado trabalho, leia-se capacidade de fazer descer os salários, pois flexibilidade, embora algo atípica, o mercado de trabalho tem-na, é vista como a mezinha necessária para que o desemprego comece finalmente a descer. Mas afinal em que é que ficamos? O problema central não era o da flexibilidade? Não foi a esse nível conseguida a impensável adesão da UGT? Admitir então uma redução administrativamente imposta não representa uma séria contradição com o discurso da flexibilização? Esta redução administrativa substitui a retórica da reforma estrutural do mercado de trabalho? Um chorrilho de contradições, numa sequência de impunidades sem qualquer contraditório.
Bem mais lúcida é a posição de Teodora Cardoso: “Acho que a troika comete um erro em considerar” que é o problema “dos salários altos” na área das empresas exportadoras “que nos impede a competitividade”, especificou Teodora Cardoso, dizendo que “haverá casos em que, de facto, nós podemos ter necessidade de reduzir salários, mas, mais uma vez, o problema fundamental é o da estrutura da nossa produção e, mais uma vez, o da qualificação” (Do Jornal Público).
Como é óbvio, como alguns economistas mais abertos e esclarecidos o sabem, a relação entre taxa de salário e desemprego é falaciosa, sobretudo nestas condições em que o desemprego estrutural avança. Como referi no meu post anterior, o desemprego estrutural é sobretudo o resultado de uma insuficiência de investimento. Cada posto de trabalho adicional exige nas condições tecnológicas atuais maior investimento. E com todas as indefinições de procura global hoje existentes, o problema naturalmente agrava-se. Admitir que a confiança do investimento se recupera apenas com o compromisso de austeridade só pode ser má-fé ou pura iliteracia económica.
Bem mais sugestiva do que a mezinha borgiana (Oh! Jorge Luís perdoa-lhe o nome), é a tentativa operada por Nicolau Santos hoje no Expresso para explicar a falha da receita da Troika. Destaco três aspetos, que equivalem aos menos debatidos e não por isso menos importantes: estrutura de capital de PME fortemente dependentes do crédito bancário; incapacidade das exportações aguentarem todo o crescimento; falácia do apelo ao investimento direto estrangeiro, pois o que tem sido atraído nem revoluciona a produtividade nem apresenta sinais evidentes de criação de emprego.
Não é preciso ter andado por Fontainebleau para perceber que uma estratégia administrativa de redução salarial acentuará a atração de investimento direto estrangeiro indesejável e incapaz de contribuir para a mudança do perfil de especialização português.

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