A press release
de 4 de Junho de 2012 publicada pelo FMI sobre a quarta missão de avaliação do
programa de resgate financeiro e de ajustamento da economia portuguesa não traz
significativamente nada de novo.
A filosofia global de abordagem que preside ao
ajustamento persiste intacta e outra coisa não seria de esperar.
É óbvio que a missão de avaliação continua a registar que
“a necessidade de combinar a consolidação
fiscal com a desalavancagem do setor privado (redução do seu nível de
endividamento) e simultaneamente melhorar a competitividade externa para
reduzir as necessidades de financiamento externo constitui uma operação difícil
de equilibrar”. Mas reconhecê-lo apenas não nos alivia os problemas.
É óbvio também que as condições de limitação do crédito
bancário e a aparente surpresa (parece-me bastante cínica esta revelação de
surpresa) são sublinhadas na nota acima referida, o que equivale na prática a
sublinhar os pontos críticos do programa de ajustamento.
Mas a rigidez de pensamento persiste sobretudo na
abordagem ao tema do desemprego, a propósito do qual se fala numa intervenção
de política imperiosa e premente. Cito: “Temporariamente,
o desemprego mais alto faz parte da transição para uma economia de orientação
mais exportadora, tendo o seu aumento sido exacerbado pela rigidez de há muito
do mercado de trabalho em Portugal. A recente aprovação da revisão do Código do
Trabalho deverá atenuar as perdas de emprego. A agenda mais lata de reforma
estrutural e a crescente utilização da capacidade produtiva do setor exportador
ajudará a recuperação do emprego a longo prazo. No entanto, serão necessárias
ações adicionais para melhorar o funcionamento do mercado de trabalho”.
A nota não se compromete com a controversa questão da
questão salarial, mas a continua a persistir uma visão de economia da oferta na
abordagem ao mercado de trabalho, sem qualquer registo de referência às questões
da procura efetiva em baixa e sobretudo à dimensão estrutural do desemprego.
A entrevista ao Diário Económico do novo chefe da delegação Abebe Selassie é mais interessante pois abre para uma maior liberdade (sem
deixar de ser limitada) de pensamento.
Em primeiro lugar, não se foca na redução dos salários
nominais e fala da imperiosa necessidade de Portugal investir na educação e
inovação. Que margem dá o programa de ajustamento para o fazer? O Governo entende
realmente esta necessidade. Dizia-me há dias uma professora que deixou de ter Ministro
da Educação para ter um Ministro das Finanças. Pergunta-se, em que termos a
consolidação fiscal tem permitido esta aposta na educação e na inovação?
Quanto ao desemprego vale a pena citar a entrevista:
“No que toca ao desemprego,
identificamos tanto fatores estruturais como cíclicos por trás deste recente,
inesperado e acentuado aumento. Do lado cíclico, temos uma política orçamental
muito restritiva. Claro que as condições financeiras também são restritivas.
Isto explica o lado da procura no fenómeno do desemprego. Mas do lado
estrutural o que vemos é o resultado de uma mudança dos sectores não transacionáveis
para os sectores mais exportadores. A subida do desemprego resulta, em parte,
da mudança que está a acontecer neste campo e temos que tentar assegurar que
esta transição acontece tão rápida quanto possível.”
Aqui há alguma liberdade adicional de pensamento
relativamente à nota de imprensa. A parte mais interessante é a dimensão
estrutural da dimensão do desemprego associada à mudança estrutural de perda de
fôlego óbvia e irreversível dos não transacionáveis. Mas essa mudança
estrutural não é compaginável com um ajustamento com a dimensão temporal do que
está a ocorrer. A espessura do tempo desaparece como por magia. Alguém
conseguirá compreender como será possível, apesar da resiliência e novidade do
setor exportador e em tempo tão curto, aumentar significativamente o
coeficiente de extroversão da economia portuguesa (Exportações/PIB) e, por
exemplo, duplicar a quota de mercado dessas exportações na procura mundial?
Por isso, tenho defendido, penso com razão, que essa
mudança estrutural, penosa, de favorecimento e de reorientação do setor
transacionável exige uma sólida almofada social, que o programa de ajustamento
tem aliás “alegremente” destruído.
Por isso, Selassie lá vai concordando que será difícil
regressar em Setembro de 2013 aos mercados. E, embora não morra de amores pela
personalidade, tenho de concordar que Manuela Ferreira Leite está com a razão,
ao alertar para regras que não se adaptam à realidade do país: “Há apenas uma saída [para o país]: um
tratamento mais lento, mais pausado, para não matarmos o doente com o
tratamento, em vez de o deixarmos morrer pela doença", disse ManuelaFerreira Leite, depois de afirmar que é impossível promover o crescimento
económico ao mesmo tempo que se consolidam as contas públicas.”
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