segunda-feira, 8 de outubro de 2012

O FMI E A EUROPA

É conhecido que o FMI integra o rolo compressor que se abateu sobre a economia portuguesa em situação de resgate financeiro, para o qual o macio para fora e insensível para dentro governo de Passos Coelho tem preparado uma espécie de passadeira vermelha no seu estatuto de bom aluno do experimentalismo macroeconómico de que somos cobaias.
Alguns observadores têm procurado sem grande sucesso do ponto de vista dos seus efeitos práticos identificar o FMI como o menos convicto defensor da terapia que está a ser aplicada. Tal identificação remete para a ortodoxia da Comissão Europeia e do BCE o maior alinhamento com a teimosia de uma abordagem à questão das dívidas soberanas que começa ser mais parte do problema instalado (e que problema) do que de uma solução possível (cada vez menos convincente). A não homogeneidade da Troika é conhecida há algum tempo, mas um aluno acrítico não tem a mínima capacidade de explorar as possíveis contradições entre os examinadores.

Numa altura em que Portugal não está no centro dos radares internacionais, com a Grécia e a Espanha a disputarem esse foco, a questão não escapou a um analista internacional, Wolfgang Münchau, do Financial Times, tantas vezes aqui citado e com pertinência, pois tem sido uma das vozes mais persistentemente críticas do que tem apoquentado a Europa.
Münchau cita a preceito o recente World Economic Outlook do FMI, datado do presente mês de Outubro, que enuncia no seu terceiro capítulo uma avaliação de 100 anos de crises de dívidas soberanas (sobretudo quando o rácio da dívida pública em relação ao PIB ultrapassa os 100%) e dos ensinamentos que a abordagem a essas crises proporcionou.
O que é de facto impressionante é que tais ensinamentos estão nos antípodas do que tem constituído a essência dos princípios que têm marcado os resgates financeiros.
Senão vejamos.
Em contextos internacionais débeis como o atualmente existente, a redução dos défices públicos constitui uma “maratona e não um sprint”, quer dizer implica tempo prolongado, o que contrasta com toda a narrativa implícita num programa de pretenso ajustamento como o do memorando de “entendimento” com a Troika.
Depois, a consolidação fiscal como instrumento de uma bem sucedida redução de défice público é sempre o resultado de um mix de políticas, no qual políticas dirigidas à fragilidade estrutural das políticas são cruciais.
Finalmente, as políticas de crescimento económico devem integrar necessariamente esse mix de políticas.
Claro está que o World Economic Outlook escamoteia uma questão crucial que é a de saber quais são em cada economia concreta as famigeradas reformas estruturais que devem integrar o mencionado mix de políticas. Não o pode fazer porque todo o edifício entraria em derrocada. Mas mesmo nessa perspetiva truncada, compreende-se que as políticas atuais de abordagem à crise das dívidas soberanas estão radicalmente em contradição com o que resulta do ensinamento do tempo longo e das políticas que esse tempo longo acomodou sobre as crises da dívida. Por conseguinte, estamos perante um devaneio experimentalista, sem evidências históricas de suporte, servido por economistas sem escrúpulos e coerência de abordagem, transformados em pretensos certificadores de uma via punitiva.
Por isso, quando parece que o Governo elegeu como objetivo esse espantoso lema de regresso aos mercados (e, mais espantoso ainda, apresenta-o como uma grande conquista), que é a negação de um rumo inspirador de futuro, os ensinamentos da história económica das crises de dívida apontam para tempos bem mais prolongados. Sobretudo, porque ambiente global mais vulnerável é difícil encontrar um (as incoerências e indeterminações da zona euro bastam por si), políticas de crescimento nem vê-las e reformas profundas das finanças públicas têm sido substituídas pela dança contínua das trapalhadas de impreparação e incompetência.

Sem comentários:

Enviar um comentário