É conhecido que o FMI integra o rolo compressor que se
abateu sobre a economia portuguesa em situação de resgate financeiro, para o qual
o macio para fora e insensível para dentro governo de Passos Coelho tem
preparado uma espécie de passadeira vermelha no seu estatuto de bom aluno do
experimentalismo macroeconómico de que somos cobaias.
Alguns observadores têm procurado sem grande sucesso do
ponto de vista dos seus efeitos práticos identificar o FMI como o menos
convicto defensor da terapia que está a ser aplicada. Tal identificação remete
para a ortodoxia da Comissão Europeia e do BCE o maior alinhamento com a
teimosia de uma abordagem à questão das dívidas soberanas que começa ser mais
parte do problema instalado (e que problema) do que de uma solução possível
(cada vez menos convincente). A não homogeneidade da Troika é conhecida há
algum tempo, mas um aluno acrítico não tem a mínima capacidade de explorar as
possíveis contradições entre os examinadores.
Numa altura em que Portugal não está no centro dos
radares internacionais, com a Grécia e a Espanha a disputarem esse foco, a
questão não escapou a um analista internacional, Wolfgang Münchau, do Financial
Times, tantas vezes aqui citado e com pertinência, pois tem sido uma das vozes
mais persistentemente críticas do que tem apoquentado a Europa.
Münchau cita a preceito o recente World Economic Outlook do FMI, datado do presente mês de Outubro, que
enuncia no seu terceiro capítulo uma avaliação de 100 anos de crises de dívidas
soberanas (sobretudo quando o rácio da dívida pública em relação ao PIB
ultrapassa os 100%) e dos ensinamentos que a abordagem a essas crises
proporcionou.
O que é de facto impressionante é que tais ensinamentos
estão nos antípodas do que tem constituído a essência dos princípios que têm
marcado os resgates financeiros.
Senão vejamos.
Em contextos internacionais débeis como o atualmente
existente, a redução dos défices públicos constitui uma “maratona e não um
sprint”, quer dizer implica tempo prolongado, o que contrasta com toda a
narrativa implícita num programa de pretenso ajustamento como o do memorando de
“entendimento” com a Troika.
Depois, a consolidação fiscal como instrumento de uma bem
sucedida redução de défice público é sempre o resultado de um mix de políticas, no qual políticas
dirigidas à fragilidade estrutural das políticas são cruciais.
Finalmente, as políticas de crescimento económico devem
integrar necessariamente esse mix de
políticas.
Claro está que o World Economic
Outlook escamoteia uma questão crucial que é a de saber quais são
em cada economia concreta as famigeradas reformas estruturais que devem
integrar o mencionado mix de políticas.
Não o pode fazer porque todo o edifício entraria em derrocada. Mas mesmo nessa
perspetiva truncada, compreende-se que as políticas atuais de abordagem à crise
das dívidas soberanas estão radicalmente em contradição com o que resulta do
ensinamento do tempo longo e das políticas que esse tempo longo acomodou sobre
as crises da dívida. Por conseguinte, estamos perante um devaneio
experimentalista, sem evidências históricas de suporte, servido por economistas
sem escrúpulos e coerência de abordagem, transformados em pretensos certificadores
de uma via punitiva.
Por isso, quando parece que o Governo elegeu como
objetivo esse espantoso lema de regresso aos mercados (e, mais espantoso ainda,
apresenta-o como uma grande conquista), que é a negação de um rumo inspirador
de futuro, os ensinamentos da história económica das crises de dívida apontam para
tempos bem mais prolongados. Sobretudo, porque ambiente global mais vulnerável é
difícil encontrar um (as incoerências e indeterminações da zona euro bastam por
si), políticas de crescimento nem vê-las e reformas profundas das finanças públicas
têm sido substituídas pela dança contínua das trapalhadas de impreparação e
incompetência.
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