Há dias, enquanto esperava por um embarque de regresso ao Porto,
cruzei-me com a imagem dele na capa de um livro que constava dos destaques de
uma loja Relay do aeroporto. Comprei, num impulso de reencontro e memória. Porque
Bernard Pivot foi talvez a personagem que mais ocupou os meus “vendredis”
parisienses de há trinta anos – “Antenne 2”, 21 horas e 30 minutos,
programa “Apostrophes”, “Bonsoir à tous” e toca de falar de obras literárias e seus
autores. Tudo começou, para mim, com a visita que fez a Petite Plaisance e a
sua inesquecível conversa com Marguerite Yourcenar; depois, foi tanto o que me deu!
Sei que Pivot animou esse excecional “Apostrophes” durante mais de
quinze anos (1975-1990) e que lhe inventou sucessores condignos. Hoje com 77
anos, é membro da academia Goncourt e o epíteto de “Rei Ler” é certamente o que
melhor lhe assenta. Quanto ao livro agora publicado, trata-se de uma
inclassificável “fantasia literária” que nem aponta ao estatuto de romance nem
visa converter testemunhos em autobiografia.
Adam Hitch, o narrador, surge como uma vedeta do jornalismo e da
entrevista enquanto protagonista de uma conhecida emissão televisiva
(“Aparté”), um homem que, aproximando-se dos 60 anos, vem elaborar em torno de
uma vida dominada por uma doença crónica a que chama “questionnite” e que o
leva a considerar-se “matematicamente um dos franceses a quem mais mentiram”. Com
recurso a vocabulário rico – como o da mentira (carabistouilles,
calembredaines, billevesées, fariboles, fantaisies, entourloupettes, sornettes,
coquecigrues, etc.) –, ao relato de divertidas histórias – como a do jovem
rapaz que transforma o sacramento da confissão a que se submete num arrasoado
de questões para cima do padre que o confessava – e à dedução de ilações lúcidas
– como a de se interrogar sobre se a velhice é o vestíbulo do inferno. Tudo
impactando em termos de uma perceção essencial: a sua impenitente curiosidade
constituiu-se num contributo decisivo para o sucesso profissional, enquanto a
dimensão amorosa dela foi padecendo em medida contrariamente equivalente. Pelo
menos até um dia…
Sem comentários:
Enviar um comentário