domingo, 28 de outubro de 2012

POR UMA POLÍTICA EUROPEIA


Conheci a Maria João nos idos de 80 em Paris. Após uma embaraçosa primeira impressão à porta de um anfiteatro da Sorbonne – mantenho a “petite histoire” sob reserva… –, por lá nos fomos cruzando vezes sem conta sem nunca ter sido fácil “sentá-la” na sua agitada correria pela informação e busca pelo conhecimento (devidamente premiadas com três diplomas obtidos em três anos, fora as frequências e atendimentos facultativos). Depois, sempre assim foi acontecendo ano atrás de ano, nos mais variados locais e contextos (universitário, cívico, político ou pessoal). Até ao presente.

Dito isto, e mais em concreto, devo ainda confessar que nunca assimilei integralmente o conteúdo da vocação europeia da Maria João. Defeito meu, certamente, tanto mais quanto lhe reconheço uma enorme capacidade de trabalho, uma inexcedível determinação e uma grande sinceridade de intenções. Mas – tenho pensado com os meus botões – alguma coisa parece falhar, obviamente que raciocinando em termos relativos, na desproporção que existe entre o indisfarçável esforço e o visível frenesim, por um lado, e os correspondentes resultados analíticos ou de propositura, por outro. 

É em face deste enquadramento que a recente entrevista de Maria João Rodrigues a Ana Lourenço (“Edição da Noite” da SIC Notícias do dia 26) se veio constituir num inesperado momento de agrado, ao fazer ressurgir o melhor da sua estruturação intelectual e emergir uma mais pertinente capacidade de exploração da experiência acumulada nos corredores bruxelenses. Aqui deixo, por isso, alguns dos contributos mais salientes dessa prestação.

·         “Eu acho que Portugal tem que estar muito atento à forma como o quadro europeu está a evoluir. Realmente, há um ano e meio, havia um enfoque quase exclusivo na questão da redução do défice e da dívida. Mas entretanto as coisas mudaram, porque há um balanço do que está a acontecer no terreno, porque há uma composição diferente do Conselho Europeu, e hoje o discurso oficial da União Europeia frisa bem que é necessário fazer as duas coisas [reduzir o défice e a dívida, por um lado, e crescer, investir e criar emprego, por outro] ao mesmo tempo.”

·          “No caso português, há uma perceção ao nível europeu de que o programa aplicado estava a dar o seu efeito porque se veem resultados nas exportações, porque há algum esforço de reforma nalgumas áreas, portanto há a perceção de alguns aspetos positivos. Mas não há, a meu ver, a informação suficiente sobre os aspetos negativos, que estão neste momento evidentes para quem vive em Portugal de redução de capacidade empresarial, de destruição de emprego, de redução de horizontes para o grupo mais jovem da população (…). A certa altura, há o risco de a vertente negativa se tornar mais importante do que a vertente de resultados positivos que estão a ser obtidos. (…) Eu acho que não há nenhum problema em nós dizermos que estamos a fazer um esforço real, estamos a obter alguns resultados positivos mas também há alguns resultados negativos em relação aos quais o Conselho Europeu tem que estar atento e tem que ponderar qual é o equilíbrio devido entre a parte negativa e a parte positiva.”

·          “Antes de discutir tempo, nós temos de discutir à cabeça custos e condições de financiamento: taxa de juro, os chamados colaterais, portanto as condições a que o País acede para financiar o Estado e as empresas. E é isso que, se conseguir condições melhores, vai poder pagar a sua dívida com encargos menores para o orçamento de Estado e vai também facilitar o acesso ao crédito por parte das empresas. (…) Com uma boa argumentação e tirando partido dos instrumentos que se estão a desenvolver. Porque nós temos neste momento uma transição do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira para um Mecanismo Permanente de Estabilidade Financeira que vai ter outros instrumentos, temos o horizonte de num certo momento poder recorrer aos novos instrumentos do Banco Central Europeu que foram anunciados durante o Verão e temos também no horizonte a construção do que se chama uma União Bancária que deveria normalizar a circulação do capital disponível na Europa. Portanto, Portugal tem de jogar com toda essa paleta de instrumentos.”

·          “O segundo aspeto seria apresentar em cima da mesa uma boa carteira de projetos de investimento porque, atenção, o Banco Europeu de Investimentos tem neste momento um reforço da sua capacidade de financiamento e está à procura de projetos. (…) E de certeza que há essa capacidade na sociedade portuguesa, há empresários com provas dadas.”

·          “O terceiro ponto é discutir metas credíveis de redução do défice e da dívida. A meu ver, não faz sentido definir o objetivo em termos de défice nominal. O que nós temos de ter é medidas credíveis de redução do peso da dívida mas com um horizonte que seja sustentável a prazo e que, acima de tudo, não liquide capacidade em Portugal. (…) Nós temos de reformar uma série de coisas em Portugal mas uma coisa é reformar, outra coisa é destruir capacidade de empresas que são viáveis, de empregos que são viáveis, de qualificação de pessoas que estão disponíveis para trabalhar.”

·          “Nós temos que saber apresentar o nosso caso bem (…), temos que apresentar uma estratégia clara – e a meu ver são estes três pontos: condições de financiamento, carteira de projetos e consolidação orçamental com metas mais credíveis. E, depois, a quem é que nós apresentamos isso? Bom, eu devo dizer que o nível Troika não é o nível relevante. A Troika é uma equipa operacional que obedece a instruções de um outro nível. E é com esse outro nível que o País tem que entrar em interlocução. É o nível da decisão política. Ainda agora vimos no caso da Grécia: a Troika que está a operar na Grécia teve instruções políticas para encontrar outro tipo de soluções que há um ano e meio eram impensáveis. (…) De quem é que eu estou a falar concretamente? Estou a falar dos presidentes das instituições europeias (Comissão Europeia, Conselho Europeu, Grupo Euro) mas estou também evidentemente a falar do governo alemão à cabeça, porque em termos informais o governo alemão – se bem que não esteja presente no cargo destes presidentes que eu acabei de referir – tem pessoas chave no sistema que condiciona a solução para Portugal; o diretor do atual Fundo Europeu de Estabilidade Financeira é alemão, há alemães nos pontos-chave de decisão de apoio ao Ecofin, dentro da Comissão Europeia… – dentro da Comissão Europeia há um canal quase estanque de instrução às equipas de Troika, canal esse que é altamente influenciado informalmente pelo governo alemão –, portanto a interlocução com o governo alemão é chave. E acho que a perceção do governo alemão também está a evoluir, claro que muito condicionada agora pela política interna alemã porque vamos ter eleições em setembro e se há objetivo central que a Sra. Merkel tem é evidentemente o de ser reeleita; mas apesar dessa condicionante, ela também já percebeu que tem que chegar lá não com desastres nestes países que estão a ser intervencionados mas com resultados positivos à vista porque senão isso vai jogar contra ela.”

Sendo Passos notoriamente um caso perdido, ficam assim estas notas à atenção do arrependido Paulo Portas. Com o voto de que, a concretizarem-se as suas promessas de emenda, elas possam ajudar a levar o Governo de Portugal ao cumprimento de mínimos em termos da política europeia de que tanto carece…

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