Conheci a Maria João nos idos de 80 em
Paris. Após uma embaraçosa primeira impressão à porta de um anfiteatro da
Sorbonne – mantenho a “petite histoire” sob reserva… –, por lá nos fomos
cruzando vezes sem conta sem nunca ter sido fácil “sentá-la” na sua agitada correria
pela informação e busca pelo conhecimento (devidamente premiadas com três
diplomas obtidos em três anos, fora as frequências e atendimentos facultativos).
Depois, sempre assim foi acontecendo ano atrás de ano, nos mais variados locais
e contextos (universitário, cívico, político ou pessoal). Até ao presente.
Dito isto, e mais em concreto, devo ainda
confessar que nunca assimilei integralmente o conteúdo da vocação europeia da
Maria João. Defeito meu, certamente, tanto mais quanto lhe reconheço uma enorme
capacidade de trabalho, uma inexcedível determinação e uma grande sinceridade
de intenções. Mas – tenho pensado com os meus botões – alguma coisa parece falhar,
obviamente que raciocinando em termos relativos, na desproporção que existe entre
o indisfarçável esforço e o visível frenesim, por um lado, e os correspondentes
resultados analíticos ou de propositura, por outro.
É em face deste enquadramento que a recente
entrevista de Maria João Rodrigues a Ana Lourenço (“Edição da Noite” da SIC
Notícias do dia 26) se veio constituir num inesperado momento de agrado, ao fazer
ressurgir o melhor da sua estruturação intelectual e emergir uma mais
pertinente capacidade de exploração da experiência acumulada nos corredores
bruxelenses. Aqui deixo, por isso, alguns dos contributos mais salientes dessa prestação.
·
“Eu acho que
Portugal tem que estar muito atento à forma como o quadro europeu está a
evoluir. Realmente, há um ano e meio, havia um enfoque quase exclusivo na
questão da redução do défice e da dívida. Mas entretanto as coisas mudaram,
porque há um balanço do que está a acontecer no terreno, porque há uma
composição diferente do Conselho Europeu, e hoje o discurso oficial da União
Europeia frisa bem que é necessário fazer as duas coisas [reduzir o défice e a
dívida, por um lado, e crescer, investir e criar emprego, por outro] ao mesmo
tempo.”
·
“No caso português, há uma perceção ao nível
europeu de que o programa aplicado estava a dar o seu efeito porque se veem
resultados nas exportações, porque há algum esforço de reforma nalgumas áreas,
portanto há a perceção de alguns aspetos positivos. Mas não há, a meu ver, a
informação suficiente sobre os aspetos negativos, que estão neste momento
evidentes para quem vive em Portugal de redução de capacidade empresarial, de
destruição de emprego, de redução de horizontes para o grupo mais jovem da
população (…). A certa altura, há o risco de a vertente negativa se tornar mais
importante do que a vertente de resultados positivos que estão a ser obtidos.
(…) Eu acho que não há nenhum problema em nós dizermos que estamos a fazer um
esforço real, estamos a obter alguns resultados positivos mas também há alguns
resultados negativos em relação aos quais o Conselho Europeu tem que estar
atento e tem que ponderar qual é o equilíbrio devido entre a parte negativa e a
parte positiva.”
·
“Antes de discutir tempo, nós temos de
discutir à cabeça custos e condições de financiamento: taxa de juro, os
chamados colaterais, portanto as condições a que o País acede para financiar o
Estado e as empresas. E é isso que, se conseguir condições melhores, vai poder
pagar a sua dívida com encargos menores para o orçamento de Estado e vai também
facilitar o acesso ao crédito por parte das empresas. (…) Com uma boa
argumentação e tirando partido dos instrumentos que se estão a desenvolver.
Porque nós temos neste momento uma transição do Fundo Europeu de Estabilidade
Financeira para um Mecanismo Permanente de Estabilidade Financeira que vai ter
outros instrumentos, temos o horizonte de num certo momento poder recorrer aos
novos instrumentos do Banco Central Europeu que foram anunciados durante o
Verão e temos também no horizonte a construção do que se chama uma União
Bancária que deveria normalizar a circulação do capital disponível na Europa.
Portanto, Portugal tem de jogar com toda essa paleta de instrumentos.”
·
“O segundo aspeto seria apresentar em cima da
mesa uma boa carteira de projetos de investimento porque, atenção, o Banco
Europeu de Investimentos tem neste momento um reforço da sua capacidade de
financiamento e está à procura de projetos. (…) E de certeza que há essa
capacidade na sociedade portuguesa, há empresários com provas dadas.”
·
“O terceiro ponto é discutir metas credíveis
de redução do défice e da dívida. A meu ver, não faz sentido definir o objetivo
em termos de défice nominal. O que nós temos de ter é medidas credíveis de
redução do peso da dívida mas com um horizonte que seja sustentável a prazo e
que, acima de tudo, não liquide capacidade em Portugal. (…) Nós temos de
reformar uma série de coisas em Portugal mas uma coisa é reformar, outra coisa
é destruir capacidade de empresas que são viáveis, de empregos que são viáveis,
de qualificação de pessoas que estão disponíveis para trabalhar.”
·
“Nós temos que saber apresentar o nosso caso
bem (…), temos que apresentar uma estratégia clara – e a meu ver são estes três
pontos: condições de financiamento, carteira de projetos e consolidação orçamental
com metas mais credíveis. E, depois, a quem é que nós apresentamos isso? Bom,
eu devo dizer que o nível Troika não é o nível relevante. A Troika é uma equipa
operacional que obedece a instruções de um outro nível. E é com esse outro
nível que o País tem que entrar em interlocução. É o nível da decisão política.
Ainda agora vimos no caso da Grécia: a Troika que está a operar na Grécia teve
instruções políticas para encontrar outro tipo de soluções que há um ano e meio
eram impensáveis. (…) De quem é que eu estou a falar concretamente? Estou a
falar dos presidentes das instituições europeias (Comissão Europeia, Conselho
Europeu, Grupo Euro) mas estou também evidentemente a falar do governo alemão à
cabeça, porque em termos informais o governo alemão – se bem que não esteja
presente no cargo destes presidentes que eu acabei de referir – tem pessoas
chave no sistema que condiciona a solução para Portugal; o diretor do atual
Fundo Europeu de Estabilidade Financeira é alemão, há alemães nos pontos-chave
de decisão de apoio ao Ecofin, dentro da Comissão Europeia… – dentro da
Comissão Europeia há um canal quase estanque de instrução às equipas de Troika,
canal esse que é altamente influenciado informalmente pelo governo alemão –,
portanto a interlocução com o governo alemão é chave. E acho que a perceção do
governo alemão também está a evoluir, claro que muito condicionada agora pela
política interna alemã porque vamos ter eleições em setembro e se há objetivo
central que a Sra. Merkel tem é evidentemente o de ser reeleita; mas apesar
dessa condicionante, ela também já percebeu que tem que chegar lá não com
desastres nestes países que estão a ser intervencionados mas com resultados positivos à
vista porque senão isso vai jogar contra ela.”
Sendo
Passos notoriamente um caso perdido, ficam assim estas notas à atenção do
arrependido Paulo Portas. Com o voto de que, a concretizarem-se as suas promessas
de emenda, elas possam ajudar a levar o Governo de Portugal ao cumprimento de
mínimos em termos da política europeia de que tanto carece…
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