Em dia de 5 de Outubro comemorado com o recato que o
isolamento atual do poder justifica e, como tudo nos acontece, com bandeira
hasteada de cabeça para baixo (simbolismo dos tempos), tivemos também o Congresso
Democrático das Alternativas na Aula Magna.
À distância, apenas com o texto provisório da declaração final nas mãos e algumas notícias dispersas sobre participações ao longo do dia,
é difícil fazer um juízo crítico e aplicar ao que sai desta iniciativa a
dicotomia alternativa de protesto versus alternativa de governação.
Para ter algum impacto político, parece-me que uma
declaração de 16 páginas é excessiva e dificulta a identificação de ideias que
possam ser entendidas como contributos sérios para as desejadas alternativas. O
texto que li é um documento tipo “Estados Gerais” do PS, ainda pouco trabalhado
do ponto de vista que efetivamente hoje interessa aos Portugueses, preocupados
com a sua situação e com o seu futuro – alternativas de governação.
Mas, pelas notícias dispersas que me chegaram via imprensa
eletrónica até à hora em que escrevo, parece-me que foi João Ferreira do Amaral
a colocar a questão fundamental. O projeto de declaração aposta forte na denúncia
do memorando da TROIKA e na reestruturação da dívida, partindo de uma constatação
que é cada vez mais consensual de que a via austeritarista é autodestruidora da
própria terapia e, mais grave do que isso, do país e da sua capacidade de se
reinventar. Ferreira do Amaral contraria essa posição e duvida da
exequibilidade da denúncia do memorando no quadro do Euro. Contrapõe por isso
uma saída preparada
e negociada do Euro como a única alternativa possível. Já no 1º congresso
Economia com Futuro Ferreira do Amaral tinha avançado com essa tese e tem moral
para isso, pois foi um dos raros economistas incomodados com a criação do euro
nos termos em que essa criação estabeleceu a paridade com o escudo.
Parece-me que esta é a questão certa para forjar um
debate sério sobre alternativas. O projeto de declaração, apesar da sua extensão
desfavorável, tem ideias relevantes e talvez a principal seja a de não
dissociar a questão da alternativa ao plano inclinado da austeridade a todo o
preço da abordagem global à indeterminação que grassa sobre a zona euro. Elas são
indissociáveis, pois cada programa de resgate ignora duas coisas: o contexto
global recessivo em que a economia europeia está mergulhada e o que resulta de
não termos um programa de resgate isolado dos demais, mas evidentes interações
entre a dinâmica de efeitos que tais programas acarretam. E não é só a questão
da contiguidade geográfica – Portugal e Espanha, Grécia e Chipre, por exemplo. É
o ambiente de contágio que a sucessiva entrada de economias em situação de
resgate financeiro implica. Nessa medida, o projeto de declaração vai na direção
certa. Mas para uma abordagem desse tipo, discutir a miopia europeia exige uma
mediação política que não pode deixar de ser de governação.
O projeto de declaração é omisso sobre a questão do euro
(é nesse quadro que se propõe a denúncia do memorando da Troika?), mas é também
omisso sobre o que pensa das razões que levaram ao resgate financeiro.
A proposta de Ferreira do Amaral é séria e exige uma
ampla discussão, pois é central a todas as outras matérias. Não pode ser
ignorada por qualquer abordagem alternativa de governação a propor aos
Portugueses em próximos escrutínios democráticos. Tenho muita dificuldade em
antecipar o que será um cenário de saída preparada e negociada do euro,
mas tenho de reconhecer que não vale a pena andar às voltas e ignorar o
problema.
Pela minha parte, o que me preocupa é a aceleração da
desagregação do tempo político, ontem brilhantemente exposta por José Pacheco Pereira.
A maioria dá indicações de que não aguentará tanta tensão desorientada e falta
de rumo, prenunciando que a consulta democrática aos Portugueses será bem
anterior a 2015. O PS não tem arte para gerir esse mesmo tempo político e
projetá-lo até 2015 e continua a padecer de uma interrogação que é central na
minha cabeça há muito tempo: que Ministro das Finanças consistente e credível
nos pode oferecer numa alternativa de governação? O voto de protesto no PCP e
no Bloco aumentará inapelavelmente para percentagens que podem ser bem
superiores aos 20%. Ajudem-me, mas neste cenário vejo um vazio político enorme.
Poderá falar-se de um governo de independentes numa fórmula Mario Monti à
portuguesa com cobertura parlamentar? Se este cenário se perfilar, o meu amigo
Carlos Costa Governador do Banco de Portugal vai ter por certo umas noites de
insónia e tensão, pois o seu nome é de facto alternativa.
Em meu entender, para além do difícil desafio de saber
como vão contornar, sobrevivendo, o que nos espera para 2013, será com o
espectro deste vazio político que os Portugueses vão preocupar-se efetivamente
nos próximos tempos. É que mesmo com uma maioria parlamentar, vivem-se tempos
de vazio político.
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