sexta-feira, 5 de outubro de 2012

CONGRESSO DEMOCRÁTICO DAS ALTERNATIVAS



Em dia de 5 de Outubro comemorado com o recato que o isolamento atual do poder justifica e, como tudo nos acontece, com bandeira hasteada de cabeça para baixo (simbolismo dos tempos), tivemos também o Congresso Democrático das Alternativas na Aula Magna.
À distância, apenas com o texto provisório da declaração final nas mãos e algumas notícias dispersas sobre participações ao longo do dia, é difícil fazer um juízo crítico e aplicar ao que sai desta iniciativa a dicotomia alternativa de protesto versus alternativa de governação.
Para ter algum impacto político, parece-me que uma declaração de 16 páginas é excessiva e dificulta a identificação de ideias que possam ser entendidas como contributos sérios para as desejadas alternativas. O texto que li é um documento tipo “Estados Gerais” do PS, ainda pouco trabalhado do ponto de vista que efetivamente hoje interessa aos Portugueses, preocupados com a sua situação e com o seu futuro – alternativas de governação.
Mas, pelas notícias dispersas que me chegaram via imprensa eletrónica até à hora em que escrevo, parece-me que foi João Ferreira do Amaral a colocar a questão fundamental. O projeto de declaração aposta forte na denúncia do memorando da TROIKA e na reestruturação da dívida, partindo de uma constatação que é cada vez mais consensual de que a via austeritarista é autodestruidora da própria terapia e, mais grave do que isso, do país e da sua capacidade de se reinventar. Ferreira do Amaral contraria essa posição e duvida da exequibilidade da denúncia do memorando no quadro do Euro. Contrapõe por isso uma saída preparada e negociada do Euro como a única alternativa possível. Já no 1º congresso Economia com Futuro Ferreira do Amaral tinha avançado com essa tese e tem moral para isso, pois foi um dos raros economistas incomodados com a criação do euro nos termos em que essa criação estabeleceu a paridade com o escudo.
Parece-me que esta é a questão certa para forjar um debate sério sobre alternativas. O projeto de declaração, apesar da sua extensão desfavorável, tem ideias relevantes e talvez a principal seja a de não dissociar a questão da alternativa ao plano inclinado da austeridade a todo o preço da abordagem global à indeterminação que grassa sobre a zona euro. Elas são indissociáveis, pois cada programa de resgate ignora duas coisas: o contexto global recessivo em que a economia europeia está mergulhada e o que resulta de não termos um programa de resgate isolado dos demais, mas evidentes interações entre a dinâmica de efeitos que tais programas acarretam. E não é só a questão da contiguidade geográfica – Portugal e Espanha, Grécia e Chipre, por exemplo. É o ambiente de contágio que a sucessiva entrada de economias em situação de resgate financeiro implica. Nessa medida, o projeto de declaração vai na direção certa. Mas para uma abordagem desse tipo, discutir a miopia europeia exige uma mediação política que não pode deixar de ser de governação.
O projeto de declaração é omisso sobre a questão do euro (é nesse quadro que se propõe a denúncia do memorando da Troika?), mas é também omisso sobre o que pensa das razões que levaram ao resgate financeiro.
A proposta de Ferreira do Amaral é séria e exige uma ampla discussão, pois é central a todas as outras matérias. Não pode ser ignorada por qualquer abordagem alternativa de governação a propor aos Portugueses em próximos escrutínios democráticos. Tenho muita dificuldade em antecipar o que será um cenário de saída preparada e negociada do euro, mas tenho de reconhecer que não vale a pena andar às voltas e ignorar o problema.
Pela minha parte, o que me preocupa é a aceleração da desagregação do tempo político, ontem brilhantemente exposta por José Pacheco Pereira. A maioria dá indicações de que não aguentará tanta tensão desorientada e falta de rumo, prenunciando que a consulta democrática aos Portugueses será bem anterior a 2015. O PS não tem arte para gerir esse mesmo tempo político e projetá-lo até 2015 e continua a padecer de uma interrogação que é central na minha cabeça há muito tempo: que Ministro das Finanças consistente e credível nos pode oferecer numa alternativa de governação? O voto de protesto no PCP e no Bloco aumentará inapelavelmente para percentagens que podem ser bem superiores aos 20%. Ajudem-me, mas neste cenário vejo um vazio político enorme. Poderá falar-se de um governo de independentes numa fórmula Mario Monti à portuguesa com cobertura parlamentar? Se este cenário se perfilar, o meu amigo Carlos Costa Governador do Banco de Portugal vai ter por certo umas noites de insónia e tensão, pois o seu nome é de facto alternativa.
Em meu entender, para além do difícil desafio de saber como vão contornar, sobrevivendo, o que nos espera para 2013, será com o espectro deste vazio político que os Portugueses vão preocupar-se efetivamente nos próximos tempos. É que mesmo com uma maioria parlamentar, vivem-se tempos de vazio político.

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