Francisco Louçã (acima caricaturado por Fernão Campos
em http://ositiodosdesenhos.blogspot.pt) poderá
ter realizado, na passada Quarta-Feira, a sua última intervenção parlamentar no
gozo do atributo de coordenador do Bloco de Esquerda que ostenta desde 1999. Valerá
a pena, talvez menos por isso do que pela importância das suas palavras –
sobretudo quando ripostou a Passos –, registar aqui tal intervenção onde juntou
às qualidades de enérgico combatente político e temível tribuno o seu
inquestionável conhecimento de prestigiado professor de Economia. Assim falou
Louçã a dado passo:
“Senhor primeiro-ministro, eu só lhe
posso agradecer, em nome desta bancada, a ajuda intensa que tem dado à moção de
censura. Ao dizer ontem uma pequena parte do véu levantado sobre o que era o
assalto fiscal, hoje ao mostrar o que é a política do Governo, percebeu-se que
só podemos aprovar a moção de censura. O primeiro-ministro não quis justificar
as medidas de ontem, não quis fazer contas, não quis dizer o que se vai passar,
não quis falar nem do presente nem do futuro, quis falar do passado, o passado
é sempre muito confortável – agora, das dificuldades não quis falar. E, por
isso mesmo, a pergunta que há agora não é, senhor primeiro-ministro, se todos
em abstrato estamos de acordo, que é o seu conceito que inventou agora: todos
em abstrato queremos que não haja austeridade. Os senhores, em concreto, estão
a promover um assalto que é um arrastão fiscal. Como nunca existiu, nunca
ninguém se atreveu, e os senhores atreveram-se. E ainda não disseram metade,
ainda não disseram metade.
Por isso, senhor primeiro-ministro, os
três argumentos que apresentou aqui, é a eles que eu quero responder. Primeiro:
credibilidade e confiança. Senhor primeiro-ministro, quer-nos falar de
credibilidade deste Governo? Quer mesmo falar de credibilidade deste Governo? O
senhor primeiro-ministro falou de monólogo interior da Oposição. Sabe, algum
ministro de Estado sentado ao seu lado – eu não sou de intrigas, não vou dizer
quem – deve estar com o seguinte monólogo interior: se me perguntaram se eu
sabia, eu sabia; se me perguntaram se eu apresentei alternativas, eu
apresentei; se me perguntam se eu quero aumento de impostos, é claro que quero
porque eu estou por tudo. É assim o monólogo interior do Governo. Credibilidade
não tem, não tem credibilidade. Não tem, isto é um assalto, é um
bombardeamento, é um Governo sem credibilidade.
Depois, fala-nos em segundo lugar de
défice externo. Senhor primeiro-ministro, um pouco de decência e decoro. A
Grécia já atingiu o superavit comercial. Parece que está muito melhor do que
nós. Pois vá por esse caminho, senhor primeiro-ministro, leve Portugal por esse
caminho e vai bem. Em Portugal, está a triplicar a exportação de fio de ouro e
de anéis de ouro das famílias. Os senhores não sabem, não sabem o que se está a
passar? Chamam a isso corrigir o défice externo? Chamam a isso melhorar a
economia do País?
E, em terceiro lugar, a renegociação. Senhor
primeiro-ministro, é preciso andar com uma candeia para encontrar alguém numa
universidade ou alguém no seu Governo ou alguém nestas bancadas que diga que
não é preciso fazer renegociação da dívida. Aliás, ontem fizeram uma
renegociaçãozinha e festejaram-na, foi o que fizeram. Agora, olhe para Bagão
Félix, olhe para o Presidente da República, o senhor encontra alguém credível
na direita que lhe diga que o que é preciso é não mudar nada, que devemos daqui
a dois anos pagar em serviço da dívida e juros abusivos tanto quanto pagamos em
Serviço Nacional de Saúde ou em escola pública? Que devemos pagar tanto nos
juros da dívida e no serviço da dívida como pagamos na Segurança Social que
está a ser arruinada? Não encontra ninguém senão fanáticos que querem destruir
tudo.
E por isso as suas três razões, senhor
primeiro-ministro… Não nos fale de todos em abstrato estarmos de acordo porque
todos em concreto sabemos para onde leva o País. E é por isso que deve ser
demitido. O senhor primeiro-ministro deve ser demitido por fraude eleitoral. O
senhor primeiro-ministro dizia, com aquele entusiasmo que tinha na altura e
agora perdeu, ‘se formos governo, posso garantir que não será necessário
despedir nem cortar salários’. É vê-los, é vê-los. Deve ser demitido por gestão
danosa da causa pública. O senhor primeiro-ministro fala-nos de diminuição da
despesa? Então o senhor corta os rendimentos dos reformados e põe lá no Excel
que é redução da despesa? Tira salários e é redução da despesa? Corta o Serviço
Nacional de Saúde e chama-lhe redução da despesa? Tem o atrevimento de dizer
perante este País, as pessoas que sofrem, que isso é redução da despesa? O
senhor primeiro-ministro deve ser ainda demitido por assalto fiscal. Hoje, o
que nos disse agora é extraordinário – não tem outra explicação senão que isto
é para ser mais justo. Mais justo? O senhor aumenta 35% o IRS, aumenta 100% o
IMI para cinco milhões de lares, e é para ser mais justo? Conte-nos mentiras
novas. O secretário de Estado que está aqui sentado, num momento de simpatia
perante o País, dizia ‘estamos todos a ser esmifrados’. Esmifrados, ouviu bem?
Esmifrados! É para ser mais justo, senhor primeiro-ministro? Esmifrados, é um
assalto fiscal. Favorecimento: então onde está o relatório das parcerias
público-privadas do Verão passado, do Verão anterior, de Março de 2012?
Esmifrados!
Mas sobretudo, senhor primeiro-ministro,
o senhor deve ser demitido porque este Governo é totalmente incompetente. Olhe
bem: quando propôs, e foi o senhor, tirar um mês de salário por via da TSU,
isso não compensava o défice do Estado. Não compensava. Agora, quando aumenta
impostos, o que nos está a dizer é que queria tirar um mês de salário para dar
ao patronato e, além disso, um mês de salário pelos impostos para compensar o
buraco orçamental? Ou não havia buraco orçamental há uma semana atrás? Estava a
preparar estas medidas todas, não as pensou, o senhor pensa que pode governar
por twits fiscais, por ataques fiscais, sem pensar, não fez as contas. Porque
se fizesse as contas, aquilo que queria na TSU – totalmente imoral, totalmente
indigno – não resolvia o problema do défice orçamental. Faça as contas. E por
isso o aumento de impostos vinha à mesma. Quer dizer, e termino senhora
presidente, os senhores nem as pensam. Incompetência. Não pode ser, senhor
primeiro-ministro. Não pode levar Portugal assim. E não nos diga que todos em
abstrato estamos de acordo. Hoje, há uma única coisa que o País está de acordo:
é que o Governo deve ser demitido – espero que seja hoje!”
Não foi obviamente naquele dia que o
Governo caíu, mas parece que poderá não tardar. Quanto a Louçã, goste-se ou não
do seu estilo, relevem-se ou não os seus erros, aceite-se ou não a sua
circunstância, terá de reconhecer-se que tem andado largamente por aí e que tem
sabido deixar marcas de empenhamento, convicção e competência dignas do maior apreço e respeitabilidade…
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