domingo, 7 de outubro de 2012

CHICO LOUÇÃ


Francisco Louçã (acima caricaturado por Fernão Campos em http://ositiodosdesenhos.blogspot.pt) poderá ter realizado, na passada Quarta-Feira, a sua última intervenção parlamentar no gozo do atributo de coordenador do Bloco de Esquerda que ostenta desde 1999. Valerá a pena, talvez menos por isso do que pela importância das suas palavras – sobretudo quando ripostou a Passos –, registar aqui tal intervenção onde juntou às qualidades de enérgico combatente político e temível tribuno o seu inquestionável conhecimento de prestigiado professor de Economia. Assim falou Louçã a dado passo: 

“Senhor primeiro-ministro, eu só lhe posso agradecer, em nome desta bancada, a ajuda intensa que tem dado à moção de censura. Ao dizer ontem uma pequena parte do véu levantado sobre o que era o assalto fiscal, hoje ao mostrar o que é a política do Governo, percebeu-se que só podemos aprovar a moção de censura. O primeiro-ministro não quis justificar as medidas de ontem, não quis fazer contas, não quis dizer o que se vai passar, não quis falar nem do presente nem do futuro, quis falar do passado, o passado é sempre muito confortável – agora, das dificuldades não quis falar. E, por isso mesmo, a pergunta que há agora não é, senhor primeiro-ministro, se todos em abstrato estamos de acordo, que é o seu conceito que inventou agora: todos em abstrato queremos que não haja austeridade. Os senhores, em concreto, estão a promover um assalto que é um arrastão fiscal. Como nunca existiu, nunca ninguém se atreveu, e os senhores atreveram-se. E ainda não disseram metade, ainda não disseram metade.

Por isso, senhor primeiro-ministro, os três argumentos que apresentou aqui, é a eles que eu quero responder. Primeiro: credibilidade e confiança. Senhor primeiro-ministro, quer-nos falar de credibilidade deste Governo? Quer mesmo falar de credibilidade deste Governo? O senhor primeiro-ministro falou de monólogo interior da Oposição. Sabe, algum ministro de Estado sentado ao seu lado – eu não sou de intrigas, não vou dizer quem – deve estar com o seguinte monólogo interior: se me perguntaram se eu sabia, eu sabia; se me perguntaram se eu apresentei alternativas, eu apresentei; se me perguntam se eu quero aumento de impostos, é claro que quero porque eu estou por tudo. É assim o monólogo interior do Governo. Credibilidade não tem, não tem credibilidade. Não tem, isto é um assalto, é um bombardeamento, é um Governo sem credibilidade. 

Depois, fala-nos em segundo lugar de défice externo. Senhor primeiro-ministro, um pouco de decência e decoro. A Grécia já atingiu o superavit comercial. Parece que está muito melhor do que nós. Pois vá por esse caminho, senhor primeiro-ministro, leve Portugal por esse caminho e vai bem. Em Portugal, está a triplicar a exportação de fio de ouro e de anéis de ouro das famílias. Os senhores não sabem, não sabem o que se está a passar? Chamam a isso corrigir o défice externo? Chamam a isso melhorar a economia do País?

E, em terceiro lugar, a renegociação. Senhor primeiro-ministro, é preciso andar com uma candeia para encontrar alguém numa universidade ou alguém no seu Governo ou alguém nestas bancadas que diga que não é preciso fazer renegociação da dívida. Aliás, ontem fizeram uma renegociaçãozinha e festejaram-na, foi o que fizeram. Agora, olhe para Bagão Félix, olhe para o Presidente da República, o senhor encontra alguém credível na direita que lhe diga que o que é preciso é não mudar nada, que devemos daqui a dois anos pagar em serviço da dívida e juros abusivos tanto quanto pagamos em Serviço Nacional de Saúde ou em escola pública? Que devemos pagar tanto nos juros da dívida e no serviço da dívida como pagamos na Segurança Social que está a ser arruinada? Não encontra ninguém senão fanáticos que querem destruir tudo.

E por isso as suas três razões, senhor primeiro-ministro… Não nos fale de todos em abstrato estarmos de acordo porque todos em concreto sabemos para onde leva o País. E é por isso que deve ser demitido. O senhor primeiro-ministro deve ser demitido por fraude eleitoral. O senhor primeiro-ministro dizia, com aquele entusiasmo que tinha na altura e agora perdeu, ‘se formos governo, posso garantir que não será necessário despedir nem cortar salários’. É vê-los, é vê-los. Deve ser demitido por gestão danosa da causa pública. O senhor primeiro-ministro fala-nos de diminuição da despesa? Então o senhor corta os rendimentos dos reformados e põe lá no Excel que é redução da despesa? Tira salários e é redução da despesa? Corta o Serviço Nacional de Saúde e chama-lhe redução da despesa? Tem o atrevimento de dizer perante este País, as pessoas que sofrem, que isso é redução da despesa? O senhor primeiro-ministro deve ser ainda demitido por assalto fiscal. Hoje, o que nos disse agora é extraordinário – não tem outra explicação senão que isto é para ser mais justo. Mais justo? O senhor aumenta 35% o IRS, aumenta 100% o IMI para cinco milhões de lares, e é para ser mais justo? Conte-nos mentiras novas. O secretário de Estado que está aqui sentado, num momento de simpatia perante o País, dizia ‘estamos todos a ser esmifrados’. Esmifrados, ouviu bem? Esmifrados! É para ser mais justo, senhor primeiro-ministro? Esmifrados, é um assalto fiscal. Favorecimento: então onde está o relatório das parcerias público-privadas do Verão passado, do Verão anterior, de Março de 2012? Esmifrados!

Mas sobretudo, senhor primeiro-ministro, o senhor deve ser demitido porque este Governo é totalmente incompetente. Olhe bem: quando propôs, e foi o senhor, tirar um mês de salário por via da TSU, isso não compensava o défice do Estado. Não compensava. Agora, quando aumenta impostos, o que nos está a dizer é que queria tirar um mês de salário para dar ao patronato e, além disso, um mês de salário pelos impostos para compensar o buraco orçamental? Ou não havia buraco orçamental há uma semana atrás? Estava a preparar estas medidas todas, não as pensou, o senhor pensa que pode governar por twits fiscais, por ataques fiscais, sem pensar, não fez as contas. Porque se fizesse as contas, aquilo que queria na TSU – totalmente imoral, totalmente indigno – não resolvia o problema do défice orçamental. Faça as contas. E por isso o aumento de impostos vinha à mesma. Quer dizer, e termino senhora presidente, os senhores nem as pensam. Incompetência. Não pode ser, senhor primeiro-ministro. Não pode levar Portugal assim. E não nos diga que todos em abstrato estamos de acordo. Hoje, há uma única coisa que o País está de acordo: é que o Governo deve ser demitido – espero que seja hoje!”

Não foi obviamente naquele dia que o Governo caíu, mas parece que poderá não tardar. Quanto a Louçã, goste-se ou não do seu estilo, relevem-se ou não os seus erros, aceite-se ou não a sua circunstância, terá de reconhecer-se que tem andado largamente por aí e que tem sabido deixar marcas de empenhamento, convicção e competência dignas do maior apreço e respeitabilidade…

Sem comentários:

Enviar um comentário