(Bradford DeLong e Lawrence Summers)
Depois de algum trabalho no
Funchal, regresso a alguns debates que têm marcado a opinião pública mais
especializada seja dentro de portas, seja na comunidade internacional. E o
regresso à base é sobretudo um regresso à indeterminação.
Em matéria de indeterminação, não
posso deixar de partilhar um pequeno pormenor do seminário em que participei no
Funchal. Uma responsável da Comissão Europeia apresentava a calendarização de
algumas responsabilidades dos países da coesão em matéria de reportes de monitorização
e de avaliação que devem assegurar. E no meio da bateria de datas apareceu uma,
2023, que me despertou de imediato um sorriso de interrogação. Em primeiro
lugar, pela primeira vez aparecia-me uma data que provavelmente já não me dirá
rigorosamente nada em termos de interesses de vida ativa plena. Espero que
ainda corresponda a algum horizonte de vida. Mas, mais do que o aspeto pessoal,
o que estava ali em causa é que ninguém naquela sala bem preenchida conseguiria
atribuir aquela data algum significado especial, dada a nebulosidade de todo o
período que nos medeia até a essa referência longínqua.
O alarido e as sucessivas réplicas
que a autocrítica do FMI sobre os efeitos recessivos (claramente subestimados)
das políticas de austeridade está a provocar em tudo que é jornal e comentário são
bem sintomáticos da nebulosidade a que me referia. O FMI, convém recordá-lo,
tem um papel entre outros de supervisão da economia mundial e é nesse quadro
que a sua autocrítica tem de ser interpretada. Ou seja, abstraindo agora da
seriedade ou da inconsistência intrínseca das posições alemãs, é hoje claro que
a economia mundial apresenta sinais de afrouxamento preocupante. Já aqui
sublinhei que podemos estar numa transição ainda obscura de ciclo longo do
capitalismo e que, nessa base, haverá por conseguinte um problema inevitável de
interrogação sobre fontes de crescimento que pode manter-se por mais tempo do
que o esperado. Mas, ignorando por agora essa possibilidade, no quadro da
economia mundial, a exequibilidade das teses da bondade das vias exportadoras (“export-led growth”) exige economias com
potencial de absorção de importações. O que simplesmente o FMI vem refletir é a
ponderação dos efeitos de um tal afrouxamento sobre designadamente as economias
emergentes e sobre as economias a quem é pedida uma radical reafetação de
recursos pró mercados externos (Portugal incluído).
A autocrítica que provocou tamanho
brado era antecipável sobretudo para quem não tem uma fidelidade canina ao mito
da austeridade redentora, como a que o cada vez mais isolado Vítor Gaspar (com
o senhor Borges em proteção recíproca) respira por todos os poros. Há menos de
um ano, um artigo crucial de Bradford DeLong e Lawrence Summers (muito discutido
na comunidade académica americana e com réplicas colaterais no debate político
americano de hoje), que haveremos de aqui comentar apesar do seu caráter
bastante técnico, tinha posto os pontos nos iis nesta matéria mostrando evidências
que o estímulo fiscal (ou o seu contrário) tinha virtualidades (efeitos
nefastos) para além do esperado sobretudo em contextos de taxas de juro
praticamente nulas.
Isto significa uma coisa muito
importante. Não é necessário invocar economistas radicais, regra geral fora do
chamado espaço da governação, mas que o podem ocupar em cenários mais extremos,
para mostrar que o rei vai nu nesta matéria. Há pensamento económico credível
para os inefáveis mercados que podem fundamentar perspetivas bem mais promissoras
de gestão dos equilíbrios da economia mundial nos tempos de hoje das que continuam
vidradas na desalavancagem das famílias, das empresas, da banca e dos governos
de uma só assentada.
Hoje, está cada vez mais claro,
que a via da austeridade punitiva e pretensamente redentora não tem a suportá-la
pensamento económico credível, mesmo no plano do pensamento em regra associado à
governação em economias de mercado. Pelo menos nesta matéria, aos economistas de
pensamento não podem ser assacadas responsabilidades futuras pelo plano
inclinado em que a economia mundial começa a resvalar. Haverá sempre, claro está,
economistas pseudo racionalizadores da via punitiva. Mas não são economistas de
pensamento. Por mais cara que tenha sido a sua formação, e é de facto muito
cara se tivermos em conta nessa valoração as externalidades negativas que estão
a provocar sobre algumas economias e sobre a economia mundial, são meros títeres
de posicionamentos políticos que não vêm mais do que alguns palmos de
nacionalismo económico ou se calhar não apenas económico. Vale a pena ler toda
a biografia de Keynes (Skidelski) para compreender que nos períodos mais bélicos
que Keynes viveu foram tempos em que muitos desses economistas títeres se
passearam e à sua vacuidade. E quando o pensamento rigoroso deixa de
fundamentar as grandes decisões que levam aos equilíbrios mundiais o ambiente é
de guerra económica potencial. Dispenso-me de recordar toda a sequência de
efeitos possíveis de uma guerra económica.
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