Por estranha ironia de uma vida de
andarilho da consultadoria, cabe-me falar do êxito eleitoral socialista a
partir do Funchal, mas não há contradição. Apesar das diferenças notórias entre
as duas autonomias, a dos Açores e da Madeira, elas constituem a meu ver uma
das mais significativas realizações da democracia portuguesa. Podemos assinalar
na progressão das autonomias desvios, alguns sinais de despesismo controlado,
excessos infraestruturais, posso aceitar. Mas não me venham a dizer que são
especificidades das autonomias, longe disso. Nada mais do que o poder central não
tenha estimulado com o seu próprio exemplo.
Na minha vida de profundo contacto
com as autonomias, há dois aspetos que sempre me impressionaram: a qualidade de
algum pensamento político nos Açores, assente numa sólida base cultural, e de
partes relevantes da administração pública regional na Madeira, contrastando
esta com o folclore da sua principal liderança política. Aliás, a liderança política
de Alberto João Jardim é no plano interno, nacional e regional, bem diferente
da sua imagem e prática exterior, ou seja a que é desenvolvida em instituições
internacionais.
Mas o que me traz aqui hoje é o
destaque das eleições açorianas e sobretudo a mestria com que Carlos César
arquitetou a sua sucessão, num ato eleitoral em que, mesmo dada a conhecida
influência da situação nacional, o PSD ainda reforçou a sua votação. E, neste
caso, não pode deixar-se de reconhecer a elevação de todo o processo eleitoral,
a qualidade do singelo discurso de vitória de Vasco Cordeiro preparando tempos
difíceis e a difícil situação em que Berta Cabral se viu envolvida com a
aceleração da queda e desorientação do governo de Passos Coelho. Ou seja, uma
vez mais a autonomia açoriana dá mostras de consolidação, pondo em sentido possíveis
vendilhões das autonomias refugiados no alibi da consolidação orçamental.
Isso não significa que o modelo
açoriano não enfrente desafios sérios nos próximos tempos. A dupla
ultraperiferia açoriana, o seu caráter longínquo e a fragmentação territorial
exigirão sempre uma almofada pública. Mas o desafio principal é conseguir que
essa almofada pública não iniba, antes promova uma dinamização empresarial mais
eficaz, valorizando mais o conhecimento, a singularidade ambiental da Região, a
sua inserção geoestratégica territorial e a melhoria de qualificações de ativos
entretanto observada. Esperemos que Vasco Cordeiro esteja consciente destes
desafios e mobilize um executivo nesse sentido.
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