(Patrick Zwirc/Modds para o Le Monde)
Podemos dizer que o período
inicial da Presidência de François Hollande foi bem menos entusiasmante do que
o contexto da sua eleição, dando razão, é justo reconhecê-lo, aos que moderaram
expectativas ou mesmo as rejeitaram, não por força da personalidade do recém-chegado
à Presidência da França, mas principalmente pelo contexto em que o seu programa
iria ser aplicado, com muito reduzidas margens de manobra para grandes inovações
programáticas.
O ambiente de distensão e os novos
jogos de possibilidades que se abriram no contexto da zona euro foram talvez um
impacto mais imaterial da sua chegada ao poder, mas deve reconhecer-se que isso
é pouco do ponto de vista dos franceses que fizeram da sua noite de reeleição
uma espécie de novo momento mágico da política que muito de quando em vez
acontece.
Por todas essas razões, a
entrevista de Hollande a 6 jornais europeus de grande tradição e presença teria
que despertar um interesse inusitado, não tanto porque precedeu cirurgicamente o
Conselho Europeu de hoje e amanhã, mas por um outro motivo que julgo mais
relevante. Outubro foi o mês em que se tornou clara a aposta da maioria socialista
no poder de se apresentar junto dos mercados e das organizações internacionais
com um compromisso de, em 2013, reduzir o défice público de 4,5% para 3%, o que
significa em termos práticos uma poupança fiscal de cerca de 30 mil milhões de
euros, o que não é coisa pouca. O debate que tal decisão provocou não só entre
a maioria socialista, mas também noutros círculos da opinião pública, tem sido
aceso, sobretudo porque não foi inicialmente líquido se o compromisso assumido era
de um défice nominal de 3% ou se, pelo contrário, o compromisso era apontado a
um défice estrutural de 3%, ou seja, corrigido pelos efeitos recessivos que
poderão observar-se. O influente economista Philip Aghion, mais conhecido nos
Estados Unidos do que em França e nos últimos tempos bastante próximo do PS
francês, assinalou bem essa interrogação.
A entrevista de Hollande é uma
tentativa séria de tentar (tentar digo bem) demonstrar que é possível conjugar
uma atitude de moderação orçamental destinada a evitar uma crise da dívida em
França com um impulso mais decidido e frontal do crescimento europeu e da própria
economia francesa. E aqui Hollande usa até à exaustão o efeito que a sua própria
eleição provocou nos equilíbrios de negociação no interior da zona euro. Cito: “O regresso ao
crescimento exige que se mobilizem os financiamentos à escala da Europa, esse é
o pacto que adotámos em Junho, mas também melhorar a nossa competitividade e
por fim coordenar as nossas políticas económicas. Os países com situação
excedentária devem estimular a sua procura interna aumentando salários e uma
baixa de impostos, é a melhor expressão da sua solidariedade. Não se pode
infligir uma pena perpétua às nações que já fizeram sacrifícios consideráveis,
se os povos, num dado momento, não virem resultados dos seus esforços. Hoje, a
ameaça que paira sobre nós é tanto a recessão como os défices”.
A estratégia de Hollande é
compreensível, é bem acolhida, mas temos de reconhecer que evoluirá num
ambiente de enormes riscos e não é líquido que esta “two-hand approach” não
falhe pelo elo nacional francês. Ela não contraria o programa eleitoral de
Hollande que sempre falou em rigor orçamental. Mas o problema é que o falar
para os mercados com a redução do défice para 3% como compromisso vai
concretizar-se numa França ainda com grande rigidez competitiva e que pode não
gerar crescimento compensador suficiente para acomodar a poupança de 30 mil
milhões. Ou seja, a estratégia pode falhar dentro das próprias portas.
Um pouco por isso na entrevista
Hollande procura resituar a França no contexto de um desanuviamento imperioso
das relações entre o Norte e o Sul, não ignorando a centralidade do seu
relacionamento com a Alemanha, mas assumindo-se como a única nação que pode
estabelecer pontes entre esses dois universos: “Cabe à França o papel de dizer incansavelmente
aos nossos parceiros que a austeridade não é uma fatalidade”. A
fotografia algo majestática que o Le Monde publicava como suporte á entrevista de
Hollande no Eliseu vai nesse sentido.
Carecidas de maior aprofundamento
de debate são as propostas de Hollande para a reorganização de uma “Europa a várias
velocidades”, com “círculos diferentes”, nos quais o núcleo duro
ou precursor é constituído pela zona euro. Falo de maior aprofundamento, pois não
lembra ao diabo considerar um núcleo duro algo que é um perfeito desconchavo
neste momento como o é, infelizmente, o Eurogrupo ou a zona euro. É claro que
Hollande parte do princípio que, reforçando o papel do Eurogrupo, reduzirá esse
desconchavo, assegurando o seu futuro papel precursor. Para os 27 ou 28,
Hollande remete as grandes apostas da convergência em matéria de juventude,
universidade, investigação, energia. Matéria central para debate, até porque já
hoje Merkel não desarma e defendeu o democraticamente inaceitável poder de veto
da Comissão Europeia sobre os orçamentos nacionais.
António José Seguro terá
agradecido o tom da entrevista de Hollande. Bem precisa de algum suporte onde
se agarrar. Mas convém monitorizar bem a aposta de dois braços de Hollande. Se
a mesma ficar maneta, tornar-se inexequível.
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