quinta-feira, 18 de outubro de 2012

HOLLAND FALOU




(Patrick Zwirc/Modds para o Le Monde)
Podemos dizer que o período inicial da Presidência de François Hollande foi bem menos entusiasmante do que o contexto da sua eleição, dando razão, é justo reconhecê-lo, aos que moderaram expectativas ou mesmo as rejeitaram, não por força da personalidade do recém-chegado à Presidência da França, mas principalmente pelo contexto em que o seu programa iria ser aplicado, com muito reduzidas margens de manobra para grandes inovações programáticas.
O ambiente de distensão e os novos jogos de possibilidades que se abriram no contexto da zona euro foram talvez um impacto mais imaterial da sua chegada ao poder, mas deve reconhecer-se que isso é pouco do ponto de vista dos franceses que fizeram da sua noite de reeleição uma espécie de novo momento mágico da política que muito de quando em vez acontece.
Por todas essas razões, a entrevista de Hollande a 6 jornais europeus de grande tradição e presença teria que despertar um interesse inusitado, não tanto porque precedeu cirurgicamente o Conselho Europeu de hoje e amanhã, mas por um outro motivo que julgo mais relevante. Outubro foi o mês em que se tornou clara a aposta da maioria socialista no poder de se apresentar junto dos mercados e das organizações internacionais com um compromisso de, em 2013, reduzir o défice público de 4,5% para 3%, o que significa em termos práticos uma poupança fiscal de cerca de 30 mil milhões de euros, o que não é coisa pouca. O debate que tal decisão provocou não só entre a maioria socialista, mas também noutros círculos da opinião pública, tem sido aceso, sobretudo porque não foi inicialmente líquido se o compromisso assumido era de um défice nominal de 3% ou se, pelo contrário, o compromisso era apontado a um défice estrutural de 3%, ou seja, corrigido pelos efeitos recessivos que poderão observar-se. O influente economista Philip Aghion, mais conhecido nos Estados Unidos do que em França e nos últimos tempos bastante próximo do PS francês, assinalou bem essa interrogação.
A entrevista de Hollande é uma tentativa séria de tentar (tentar digo bem) demonstrar que é possível conjugar uma atitude de moderação orçamental destinada a evitar uma crise da dívida em França com um impulso mais decidido e frontal do crescimento europeu e da própria economia francesa. E aqui Hollande usa até à exaustão o efeito que a sua própria eleição provocou nos equilíbrios de negociação no interior da zona euro. Cito: “O regresso ao crescimento exige que se mobilizem os financiamentos à escala da Europa, esse é o pacto que adotámos em Junho, mas também melhorar a nossa competitividade e por fim coordenar as nossas políticas económicas. Os países com situação excedentária devem estimular a sua procura interna aumentando salários e uma baixa de impostos, é a melhor expressão da sua solidariedade. Não se pode infligir uma pena perpétua às nações que já fizeram sacrifícios consideráveis, se os povos, num dado momento, não virem resultados dos seus esforços. Hoje, a ameaça que paira sobre nós é tanto a recessão como os défices”.
A estratégia de Hollande é compreensível, é bem acolhida, mas temos de reconhecer que evoluirá num ambiente de enormes riscos e não é líquido que esta “two-hand approach” não falhe pelo elo nacional francês. Ela não contraria o programa eleitoral de Hollande que sempre falou em rigor orçamental. Mas o problema é que o falar para os mercados com a redução do défice para 3% como compromisso vai concretizar-se numa França ainda com grande rigidez competitiva e que pode não gerar crescimento compensador suficiente para acomodar a poupança de 30 mil milhões. Ou seja, a estratégia pode falhar dentro das próprias portas.
Um pouco por isso na entrevista Hollande procura resituar a França no contexto de um desanuviamento imperioso das relações entre o Norte e o Sul, não ignorando a centralidade do seu relacionamento com a Alemanha, mas assumindo-se como a única nação que pode estabelecer pontes entre esses dois universos: “Cabe à França o papel de dizer incansavelmente aos nossos parceiros que a austeridade não é uma fatalidade”. A fotografia algo majestática que o Le Monde publicava como suporte á entrevista de Hollande no Eliseu vai nesse sentido.
Carecidas de maior aprofundamento de debate são as propostas de Hollande para a reorganização de uma “Europa a várias velocidades”, com “círculos diferentes”, nos quais o núcleo duro ou precursor é constituído pela zona euro. Falo de maior aprofundamento, pois não lembra ao diabo considerar um núcleo duro algo que é um perfeito desconchavo neste momento como o é, infelizmente, o Eurogrupo ou a zona euro. É claro que Hollande parte do princípio que, reforçando o papel do Eurogrupo, reduzirá esse desconchavo, assegurando o seu futuro papel precursor. Para os 27 ou 28, Hollande remete as grandes apostas da convergência em matéria de juventude, universidade, investigação, energia. Matéria central para debate, até porque já hoje Merkel não desarma e defendeu o democraticamente inaceitável poder de veto da Comissão Europeia sobre os orçamentos nacionais.
António José Seguro terá agradecido o tom da entrevista de Hollande. Bem precisa de algum suporte onde se agarrar. Mas convém monitorizar bem a aposta de dois braços de Hollande. Se a mesma ficar maneta, tornar-se inexequível.

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