sábado, 27 de outubro de 2012

A NEW YORKER E AS ELEIÇÕES AMERICANAS



Como já provavelmente se aperceberam sou um fanático da New Yorker. Esse apego pode valer-me algum risco de identificação com o snobismo jornalístico, tipicamente nova-iorquino, mas a qualidade da revista vale bem esse risco e o montante da assinatura digital e em papel. E ainda mais se me aguçou esse apetite quando, já há aqui alguns anos, não sei se ainda se recordam, a nossa protegida do já desaparecido Stephen Jay Gould, Clara Pinto Correia, foi apanhada num plágio evidente da New Yorker numa das suas crónicas para um jornal qualquer que já se me varreu da memória. A partir daí, comecei a ler ainda com mais atenção a revista, esperançado em apanhar mais alguém em flagrante.
Volto ao tema porque, no seu número de 29 de Outubro de 2012, a revista publica um editorial designado de “A Escolha” em que assume frontalmente o seu apoio à reeleição de Obama, com base numa análise crítica frontal, honesta e não laudatória das realizações associadas ao primeiro mandato do agora candidato. Gosto que os jornais se identifiquem e que não nos queiram vender gato por lebre. A New Yorker, o Economist ou o Wall Street Journal são jornais que se assumem, que explicitam bem os seus padrões de valores e convicções. Gosto disso e não de jornalismo que se esconde por detrás de uma pretensa neutralidade.
O editorial é uma peça que considero notável e recomendo vivamente a sua leitura.
Destaco apenas alguns elementos, esperando com isso aguçar a curiosidade de quem queira ter a pachorra de o ler.
A herança económica e política de Bush é impiedosamente documentada, bem como a sistemática tentativa de no Congresso os Republicanos assumiram de torpedear tudo o que se afigurasse inovação e promessa eleitoral do Presidente.
A relevância económica e política do American Recovery and Reinvestment Act de 2009, o já aqui referido pacote de estímulo fiscal, abaixo do que se exigia e do que Christina Romer tinha recomendado em sede de Council of Advisors, é apresentado como um dos mais difíceis atos presidenciais suscetíveis de capitalização política. As razões dessa dificuldade interessam-me vivamente sobretudo como avaliador de políticas. Obama terá confessado a um jornalista que “é sempre difícil demonstrar a efetividade de um contrafactual”. O que é que Obama quer dizer com isto. Quer dizer que o pacote de estímulo fiscal colocou a economia americana numa situação bem melhor do que teria se não tivesse havido o estímulo fiscal, embora num contexto geral em que o desemprego e o crescimento anémico persistem. Os defensores de um estímulo fiscal mais forte dirão que a economia americana teria recuperado bem mais depressa com um estímulo na ordem de grandeza que economistas como Christina Romer desejariam.
Outros aspetos são percorridos, como a proteção dos direitos cívicos de minorias, o Patient Protection and Affordable Care Act (ainda longe do Medicare for All), a frente externa, algumas das suas fragilidades (primeiro debate com Romney).
Quanto às razões para o não apoio a Romney, destaco apenas três ideias: uma, que é uma citação de Roosevelt: “Devemos ser testados não porque aumentámos a abundância dos que já têm muito, mas antes pelo que pudemos fazer em relação aos que têm pouco”; a segunda é uma delícia: “Ter contas bancárias no estrangeiro não é um sucedâneo da experiência em política externa”; o argumento final: “A escolha é clara. O bilhete Romney-Ryan representa uma visão constrangedora e retrógrada da América: a privatização do bem público”.
Jornalismo do falar claro, goste-se ou não se goste.

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