Dia intenso, ainda em
Lisboa, com trabalho pelo meio e a sempre inevitável pressão de uma intervenção
inicial na sessão Território e Desordens,
na Conferência dos 50 anos do ICS, sob a moderação do colega José Manuel Rolo
do ICS.
Primeiro, sob a
pressão de um estatuto de outsider de dupla natureza: geográfica (único
interveniente na Conferência com atividade atual a norte do Mondego, embora
acompanhado por muitos deslocalizados, residentes mas não naturais de Lisboa);
de vivência face à investigação (um andarilho do planeamento com tempo escasso
para a investigação no seio de investigadores, profissionais apesar dos cortes.
Depois, com a
curiosidade de conhecer a reação de uma proposta de abordagem ao tema,
inspirada nas minhas raízes teóricas: economia do desenvolvimento e
evolucionismo económico.
Ideia central: as
dinâmicas territoriais em curso no país combinam situações de profunda inércia
estrutural (regularidades) com manifestações disruptivas (desordens), cujo
resultado concreto decorre essencialmente dos impactos territoriais da
ascensão, declínio e esgotamento de um modelo de crescimento económico que
animou, primeiro e depois bloqueou o desenvolvimento do país. Esse modelo, já
aqui neste espaço reiteradamente mencionado, é baseado em dois elementos
motores: infraestruturas e bens não transacionáveis, por um lado e dimensão
extensiva, por outro (relação de cumplicidade entre baixas qualificações e
baixos salários, indutora de não inovação).
Os mecanismos através
dos quais esta ascensão e esgotamento interagiu com os territórios são vários e
complexos, mas há dois que condicionam fortemente essa interação: a dotação
demográfica (fator de alimentação crucial do crescimento extensivo) e a dotação
em recursos de conhecimento (fator crucial de natureza disruptiva). Mostro no paper, que ainda exige alguns
afinamentos para uma possível publicação, que a fase de ascensão do modelo
exigiu fatores de alavancagem e esses foram inequivocamente o financiamento
bancário, o investimento público e a co-participação comunitária. Esta última
foi exercida contribuindo inequivocamente para a exacerbação da dimensão
infraestrutural do modelo de crescimento e não conseguindo contrariar a
dimensão extensiva e de baixa qualificação do mesmo. A tensão entre as duas
dotações (demográfica e conhecimento) é visível, por exemplo, nas inércias e
desordens que continuam a caracterizar comparativamente os territórios do
Norte/Centro e da região de Lisboa, já que são aqueles territórios que
concentram as massas críticas mais representativas das duas referidas dotações.
Essa comparação não tem nada que ver com uma perspetiva maniqueísta (Norte-sul)
das dinâmicas territoriais que o Professor Jorge Gaspar sugeriu existir nesta
abordagem. Tipologias sim, maniqueísmo não.
Aliás, pareceu-me
haver alguns cruzamentos possíveis entre a abordagem que proponho e o início de
uma investigação empírica apresentada na sessão pelo amigo Professor João
Ferrão. Os antecedentes empíricos da minha reflexão situam-se essencialmente
nos trabalhos do já muito desativado DPP (sob a orientação do sempre diligente
e rigoroso Natalino Martins, hoje também já aposentado) e respeitam aos
períodos 1995-2000 e 2000-2005(6), completados com informação ainda por mim pouco
trabalhada das Contas Regionais para os anos 2007 a 2010 (preliminar a
informação de 2010). O ensaio de João Ferrão tem por referência a escala do
município e integra informação “famílias” e “empresas” para os períodos
2005-2007) (pré-crise) e 2009-2010 (fase inicial da crise). É curioso sublinhar
que na investigação de João Ferrão as inércias estruturais de que falei na
minha intervenção estão claramente presentes, mas a comparação entre os seus
dois períodos de análise confirma agravamento dos indicadores “famílias” e “empresas”
em termos diferenciados. O número de municípios com indicadores abaixo da média
do continente cresce 30% para a dimensão “famílias” e 60% na dimensão empresas.
E, o que é mais relevante, os resultados parecem sugerir novas tipologias
territoriais de situações-problema que não encaixam bem nos velhos paradigmas
do norte/sul, litoral/interior e urbano/rural. Quatro territórios aparecem
claramente mais vulneráveis: Península de Setúbal, Baixo Alentejo, Algarve e
Lezíria.
Muita matéria para
conversa frutuosa com o João Ferrão e até quem sabe para algum esforço de
aprofundamento empírico conjunto, se isso é permitido a um andarilho do
planeamento com a tensão recalcada de dedicar pouco tempo a estas coisas.
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