Hesito em focar-me na
já confirmada derrapagem orçamental 2012 segundo os números hoje publicados
pela Direção Geral do Orçamento ou se, pelo contrário, devo dar atenção às
vicissitudes de outro orçamento, o comunitário. Fico-me pelo último. O problema
orçamental português tem uma configuração conhecida, o governo não controla já os
efeitos da estratégia de consolidação de contas públicas que teima em aplicar. A
interrogação parece estar apenas em saber até quando aguentará essa falta de
controlo, projetando sobretudo o que pode acontecer de similar na execução
orçamental de 2013.
As vicissitudes do orçamento
comunitário projetam questões mais amplas, que se abatem sobre toda a
indeterminação que reina ainda sobre a zona euro e sobre a sua
sustentabilidade.
Poderá dizer-se que a cimeira hoje concluída terá começado com uma divisão bem mais significativa
entre o chamado grupo da melhor despesa (Alemanha, Finlândia, Holanda e Reino Unido)
e o grupo da coesão, essencialmente liderado pela França, Itália e Espanha. Segundo
rezam os relatos do Financial Times,
a cimeira terá acabado com uma divisão estimada em cerca de 30 mil milhões de
euros, o que explicaria alguma esperança em concluir a aproximação na reunião
do próximo janeiro de 2013. Portugal seria atraído para o possível acordo com
uma espécie de bónus de mil milhões de euros, destinado a compensar a perda estimada
de fundos estruturais face ao período de programação anterior.
A questão crucial não
está no valor do desvio financeiro entre as duas grandes famílias de posições
no Conselho dos 27 quanto ao valor do orçamento comunitário. A questão relevante
está na progressiva rotura quanto à chamada solidariedade europeia. O princípio
da “melhor despesa” não é em si mesmo o fator da divisão. A aplicação de fundos
estruturais nos países da periferia, seja na economia do sul, seja nas
economias do leste, tem telhados de vidro e, diga-se, de vidro bastante vulnerável
a uma ofensiva crítica quanto às condições concretas da sua aplicação e
sobretudo quanto aos seus impactos. Não é, assim, o princípio da “melhor
despesa” que está na base da crise de solidariedade que mina hoje. De facto, o
grupo da “melhor despesa” é aquele que se recusa a compreender que a recessão
global de um espaço económico com a importância da União Europeia só pode hoje
ser combatida com o relançamento das economias motoras e não com o processo de
desvalorização nominal e de empobrecimento que estão a ser impostos às economia
do sul. Maior integração política neste contexto será sempre um tiro no escuro.
E sobretudo maior integração política que começa pelo pacto fiscal e só mais
tarde tocará os aspetos da união bancária e monetarização da dívida transformará
a superação da crise das dívidas soberanas no maior fator de agravamento de
desequilíbrios económicos no interior da União. Tais desequilíbrios agravados
minarão irremediavelmente o projeto Europeu. Neste contexto, por mais paradoxal
que possa parecer, o euroceticismo britânico e os riscos de abandono do projeto
europeu por parte do Reino Unido serão o problema menor.
Van Rompuy não será
certamente o visionário das grandes negociações que o impasse criado exigiria. Mas
a carência crucial não é de grandes negociadores, embora ajudassem. O problema é
a progressiva adulteração do projeto europeu, que caminha para um não retorno.
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