A publicação do
Boletim de Outono do Banco de Portugal vem trazer ao debate económico a dose
certa de rigor e sensatez que tem escasseado nos últimos tempos, sobretudo por
banda do governo e da Comissão Europeia. A sistemática subavaliação da pressão recessiva
a que a economia portuguesa está hoje submetida, seja pelo impacto da política
de austeridade na procura interna, seja pela contração de alguns dos principais
mercados europeus para as exportações nacionais, tem envenenado a correta
avaliação dos efeitos do ajustamento. Assistimos, assim, ao insólito de um
orçamento 2013 ser preparado com base num cenário macroeconómico que, de acordo
com o Boletim de Outono, pode ser considerado pura ficção. O que não é
seguramente uma forma séria de respeitar o Parlamento e o País. É nestes
contextos que se compreende melhor a relevância da efetiva independência do
Banco Central face ao governo. E, neste momento, tal independência significa
rigor e sensatez.
Dois exemplos em
primeira leitura desse rigor sensato.
Primeiro exemplo: “O continuado agravamento da posição cíclica
da economia pode ter um impacto negativo no crescimento potencial. Este risco
consubstancia-se, por exemplo, numa continuada redução do nível do stock de capital,
na depreciação do capital humano dos trabalhadores desempregados e na emigração
de jovens qualificados”. Este aspeto tem sido sistematicamente escamoteado,
contribuindo para a subavaliação dos efeitos da prolongada recessão a que a
conjugação das origens internas e externas da recessão tem conduzido a economia
portuguesa.
Segundo exemplo: “A estratégia de consolidação orçamental deve
passar, inter alia, por uma redução da despesa pública. Esta redução implica um
melhoramento da gestão em áreas onde exista ineficiente utilização dos recursos
públicos - limitando-se assim as intervenções de caráter transversal,de forma a
não colocar em causa o funcionamento de áreas consideradas fundamentais – bem
como uma identificação das áreas onde o retorno social é relativamente mais
baixo. Neste enquadramento, uma estratégia de consolidação orçamental
sustentável deve assentar em opções quanto às áreas de intervenção primordial
do Estado, num contexto de cooperação institucional e diálogo social”. A
contínua delapidação por parte do governo dos resultados anteriormente
alcançados em matéria de concertação social, com um ministro da Economia que
parece não entender o que é negociar com parceiros sociais, e a reiterada
obsessão pelo instrumento receita fiscal do processo de consolidação exemplificam
bem ad contrario a sensatez da análise
do Boletim de Outono.
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