terça-feira, 13 de novembro de 2012

RIGOR E SENSATEZ



A publicação do Boletim de Outono do Banco de Portugal vem trazer ao debate económico a dose certa de rigor e sensatez que tem escasseado nos últimos tempos, sobretudo por banda do governo e da Comissão Europeia. A sistemática subavaliação da pressão recessiva a que a economia portuguesa está hoje submetida, seja pelo impacto da política de austeridade na procura interna, seja pela contração de alguns dos principais mercados europeus para as exportações nacionais, tem envenenado a correta avaliação dos efeitos do ajustamento. Assistimos, assim, ao insólito de um orçamento 2013 ser preparado com base num cenário macroeconómico que, de acordo com o Boletim de Outono, pode ser considerado pura ficção. O que não é seguramente uma forma séria de respeitar o Parlamento e o País. É nestes contextos que se compreende melhor a relevância da efetiva independência do Banco Central face ao governo. E, neste momento, tal independência significa rigor e sensatez.
Dois exemplos em primeira leitura desse rigor sensato.
Primeiro exemplo: “O continuado agravamento da posição cíclica da economia pode ter um impacto negativo no crescimento potencial. Este risco consubstancia-se, por exemplo, numa continuada redução do nível do stock de capital, na depreciação do capital humano dos trabalhadores desempregados e na emigração de jovens qualificados”. Este aspeto tem sido sistematicamente escamoteado, contribuindo para a subavaliação dos efeitos da prolongada recessão a que a conjugação das origens internas e externas da recessão tem conduzido a economia portuguesa.
Segundo exemplo: “A estratégia de consolidação orçamental deve passar, inter alia, por uma redução da despesa pública. Esta redução implica um melhoramento da gestão em áreas onde exista ineficiente utilização dos recursos públicos - limitando-se assim as intervenções de caráter transversal,de forma a não colocar em causa o funcionamento de áreas consideradas fundamentais – bem como uma identificação das áreas onde o retorno social é relativamente mais baixo. Neste enquadramento, uma estratégia de consolidação orçamental sustentável deve assentar em opções quanto às áreas de intervenção primordial do Estado, num contexto de cooperação institucional e diálogo social”. A contínua delapidação por parte do governo dos resultados anteriormente alcançados em matéria de concertação social, com um ministro da Economia que parece não entender o que é negociar com parceiros sociais, e a reiterada obsessão pelo instrumento receita fiscal do processo de consolidação exemplificam bem ad contrario a sensatez da análise do Boletim de Outono.

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