quarta-feira, 21 de novembro de 2012

REGRESSO AOS GRÁFICOS DE KRUGMAN EM AMBIENTE DE ALFA PENDULAR



Nesta vida de andarilho do planeamento, com uso frequente da navette ferroviária Porto-Lisboa, alguma coisa do que vou escrevendo tem como espaço de concretização o Alfa pendular, cada vez mais instável e pouco propício à escrita (ah! estas obras da linha do Norte continuam um mistério intrigante).
Foi o caso da presente crónica. Mas o contexto em que ela foi redigida, só por curiosidade o refiro, processou-se numa perfeita cacofonia de telemóveis e de conversas despudoradas e reveladoras das mais profundas intimidades. Mesmo atrás de mim, um senhor empresário de uma empresa de transportes logísticos e de operação de máquinas passou a santa viagem a descompor um tal senhor Avelino pela má operação realizada com uma determinada máquina e a investir sobre uma tal Fatucha (que bonita intimidade entre patrão e funcionária!) sobre a desorganização do escritório e sobre uma determinada operação de IVA que não devia ter sido realizada. Mesmo ao lado, uma aguerrida supervisora de lojas em diferentes centros comerciais (as viagens do Alfa são um verdadeiro alfobre empírico de situações novas no mercado de trabalho) discutia com o chefe mais direto pormenores de uma reunião em Lisboa com altos superiores (este fascínio pelas estruturas centrais!), metendo pelo meio o picante de ir servir de testemunha da empresa num caso contra uma funcionária que mantinha um caso amoroso com outro funcionário e que utilizava as instalações da loja para consumar a sua tórrida paixão, a quem a dita designava de “a gaja” afirmando com personalidade a sua pronúncia do Porto. Um pouco mais distante, uma jovem super-mãe, vinda sabe-se lá de que reunião enfadonha, acompanhava à distância os trabalhos de casa de uma das filhas. Ainda no raio de influência dos meus ouvidos (que já não é muito amplo) uma jovem adolescente conduzia ao telefone uma daquelas conversas lamechas e sem graça que devem ser o melhor remédio para o namorado manter casta a relação.
Tudo isto na compressão da carruagem 3, bem mais pequena que as demais, já que o bar ocupa uma superfície relevante (viaja-se em segunda porque a contenção de custos assim o recomenda).
A minha relação com o despudor da revelação da intimidade telefónica é por vezes traumática, porque considero-me propenso a ouvir o que não devo. Recordo que, estava este blogue no seu começo, apanhei à minha esquerda com o incrível Fernando Nobre, ex-candidato derrotado à Presidência da República. E perante a minha surpresa, lá pelas bandas de Aveiro, eis que senão quando dou a perceber que o Fernando Nobre estava a telefonar a sua Excelência D. Duarte, dando-lhe conta que iria voltar às lides, anunciando profeticamente que muitos o desejavam e que iria promover um almoço-tertúlia para dar conta a alguns jornalistas do seu regresso às lides. Na altura, por simples pudor não relatei aqui neste espaço essa convivência com a mensagem telefónica ali expedida, em tom tudo menos de confidencial. Pelos vistos, não fiz mal, pois esse regresso às lides de tão estranha personagem não se concretizou por qualquer inibição ou contratempo.
Por todas estas razões, hesito frequentemente em orientar as minhas antenas auditivas para tão estranha forma de despudor pela intimidade telefónica. Sobretudo, porque como fraco “conector” o raio do meu telefone não toca, mesmo que me apresente com o ar mais executivo (casual, claro) que me é possível.
E com tudo isto, distraído por toda esta cacofonia de telefones topo de gama, só agora me concentro no gráfico de Krugman, que sublinha comparativamente a diferente trajetória da taxa de desemprego na economia americana e na zona euro.
Há uns anos, atribuiríamos este comportamento divergente à rigidez do mercado de trabalho europeu e à pretensa flexibilidade do americano. Hoje, refletindo bem, a divergência assinalada no período considerado significa essencialmente uma diferente política macroeconómica de intervenção no pós grande recessão e continuidade para a crise das dívidas soberanas: estímulo fiscal e política monetária mais agressiva nos Estados Unidos e incapacidade de ter um rumo coerente na zona euro.

Sem comentários:

Enviar um comentário