segunda-feira, 19 de novembro de 2012

ENCENAÇÃO



A aplicação do memorando da Troika está transformada numa grande representação, onde todas as entradas de palco estão preparadas ao mais ínfimo pormenor, de forma a salvar a face à generalidade dos intervenientes. Diálogos e deixas adequadas sobrepõem-se sem que neste momento a trama ou o enredo interessem para alguma coisa.
A grande representação ergueu-se acima da realidade, está suspensa e está hoje circunscrita a uma estratégia de contenção de danos de imagem de cada um dos intervenientes. Funciona quase em circuito fechado, a evolução da economia e da sociedade constituem um simples pormenor, por mais subtis que possam ser consideradas as referências da sexta avaliação aos aspetos mais críticos da aplicação do memorando – quebra das receitas fiscais, desemprego descontrolado, rigidez da despesa pública.
O paradoxo é que nesta encenação de nada valeria reprovar o candidato. Aliás, bem antes da publicação dos resultados, Frau Merkel já se tinha encarregado de comunicar a libertação de mais uma tranche do acordo, sublinhando bem a inutilidade da sexta avaliação. Reprovar o candidato ou pelo menos puxar-lhe as orelhas equivaleria a questionar o próprio memorando e nisso nenhuma das instituições internacionais nele representadas está convictamente interessada.
E bem no âmago desta grande representação Vítor Gaspar não hesita em apelar à mobilização dos portugueses para um projeto exaltante de cortar quatro mil milhões de euros e ajustar a dimensão e papel do Estado à sua real capacidade de o financiar. Mantendo a metáfora, esta tirada de Vítor Gaspar equivale a um improviso que alguns na representação já classificarão de mau gosto. Afinal, depois de um largo tempo de imposições unilaterais, de desrespeito pela concertação social, do mais profundo desprezo por alguns grupos sociais, tira-se um coelho da cartola e apela-se à mais exaltante mobilização social em torno do encolhimento do Estado. A grande representação continua. A única interrogação que subsiste é a de saber quando é que, abruptamente e por que via, ficará claro que a encenação acabou.

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