sábado, 3 de novembro de 2012

AINDA O ROMANCE DA DESPESA PÚBLICA



A atipicidade deste Governo, um pouco sem governo, não tem limites. Quando toda a racionalidade determinaria que o tema fosse colocado em simultâneo ou desejavelmente até precedendo a apresentação do orçamento para 2013, eis que posteriormente ao embate mediático das suas principais linhas de fratura é lançado o tema da “refundação do Estado”, mais propriamente do Estado Social, visando uma transformação estrutural da despesa pública.
O tema em si não me incomoda. Já escrevi por outras linhas que a esquerda não pode colocar-se à margem das novas escolhas públicas que perspetivas anémicas de crescimento económico e uma dívida pública com risco elevado irão mais tarde ou mais cedo (mais cedo vendo bem) exigir. O que me incomoda é o desplante com que o tema é apresentado ao chamado arco da governação, sobretudo depois de todo o comportamento errático e de experimentalismo que tem sido a norma da ação governativa. Por outras palavras, a maioria primeiro agride, perturba, corta sem seletividade e depois veste o fato do convite à refundação partilhada. Por outro lado, inseguro e carente de apoios (pelos vistos os senhores Borges e Beleza não chegam para acalmar essa insegurança sentida no vai e vem das medidas), o governo faz a rábula da assistência técnica externa e coloca uma estrutura técnica do FMI a acompanhar os trabalhos de revisão dos padrões e da incidência da despesa pública. Por fim, alguém da área política da governação anuncia num canal privado que os homens de mala já cá estão e que por aí virá um acompanhamento técnico “credível e isento”.
Escrevo sem saber o conteúdo da carta de resposta do PS ao primeiro-Ministro. Com todo o cortejo de antecedentes desta proposta do primeiro-Ministro, sem condições para um debate alargado e consistente no interior do próprio partido e nas condições atuais de crispação social, só um Partido Socialista distraído validaria a encenação romanceada que o tema da “refundação” representa. O que não significa que, como alternativa de poder, esse debate não tenha que ser feito, clarificando o compromisso com que Estado Social poderão os portugueses contar numa alternativa de governo. Mas não apenas o domínio do Estado Social.
Esta semana o governo regional da Andaluzia anunciou que reduziria significativamente o investimento público para manter a sua comparticipação na proteção social a cargo do governo autonómico. São escolhas, discutíveis pelo que representam em termos de hipoteca do futuro, mas são escolhas. Trata-se apenas de uma simples ilustração do que entendo por escolhas públicas. Outras vão necessariamente colocar-se.

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