A atipicidade deste
Governo, um pouco sem governo, não tem limites. Quando toda a racionalidade
determinaria que o tema fosse colocado em simultâneo ou desejavelmente até
precedendo a apresentação do orçamento para 2013, eis que posteriormente ao
embate mediático das suas principais linhas de fratura é lançado o tema da “refundação
do Estado”, mais propriamente do Estado Social, visando uma transformação
estrutural da despesa pública.
O tema em si não me
incomoda. Já escrevi por outras linhas que a esquerda não pode colocar-se à
margem das novas escolhas públicas que perspetivas anémicas de crescimento económico
e uma dívida pública com risco elevado irão mais tarde ou mais cedo (mais cedo
vendo bem) exigir. O que me incomoda é o desplante com que o tema é apresentado ao
chamado arco da governação, sobretudo depois de todo o comportamento errático e
de experimentalismo que tem sido a norma da ação governativa. Por outras
palavras, a maioria primeiro agride, perturba, corta sem seletividade e depois veste
o fato do convite à refundação partilhada. Por outro lado, inseguro e carente
de apoios (pelos vistos os senhores Borges e Beleza não chegam para acalmar
essa insegurança sentida no vai e vem das medidas), o governo faz a rábula da assistência
técnica externa e coloca uma estrutura técnica do FMI a acompanhar os trabalhos
de revisão dos padrões e da incidência da despesa pública. Por fim, alguém da área
política da governação anuncia num canal privado que os homens de mala já cá
estão e que por aí virá um acompanhamento técnico “credível e isento”.
Escrevo sem saber o
conteúdo da carta de resposta do PS ao primeiro-Ministro. Com todo o cortejo de
antecedentes desta proposta do primeiro-Ministro, sem condições para um debate
alargado e consistente no interior do próprio partido e nas condições atuais de
crispação social, só um Partido Socialista distraído validaria a encenação
romanceada que o tema da “refundação” representa. O que não significa que, como
alternativa de poder, esse debate não tenha que ser feito, clarificando o
compromisso com que Estado Social poderão os portugueses contar numa
alternativa de governo. Mas não apenas o domínio do Estado Social.
Esta semana o governo
regional da Andaluzia anunciou que reduziria significativamente o investimento
público para manter a sua comparticipação na proteção social a cargo do governo
autonómico. São escolhas, discutíveis pelo que representam em termos de
hipoteca do futuro, mas são escolhas. Trata-se apenas de uma simples ilustração
do que entendo por escolhas públicas. Outras vão necessariamente colocar-se.
Sem comentários:
Enviar um comentário