Mais um dia do périplo
lisboeta, com manhã dedicada à Conferência do ICS, já que a tarde foi comida
pela preparação da minha intervenção amanhã e por afazeres de trabalho.
No post anterior, sugeria que hoje seria
uma manhã de Paul De Grauwe, dada a importância da conferência inaugural e a
possibilidade de ouvir de viva voz a luta sistemática que De Grauwe vai
realizando sobre a fragilidade da zona euro e a necessidade de compor o mais
cedo possível esse defeito de fabrico.
Em parte não me
enganei. Referirei em futuros posts
alguns dos aspetos mais marcantes da apresentação de De Grauwe. Mas enganei-me
em não antecipar o relevo da intervenção de António Nóvoa, que fechou a sessão
inaugural. Tenho aqui um conflito de interesses. Acho que António Nóvoa é hoje
um dos pensamentos mais lúcidos e desalinhados da sociedade portuguesa.
Numa curta intervenção,
António Nóvoa partiu da história e do exemplo do GIS-ICS como espaço de
liberdade de investigação, como força de pensamento para se referir depois ao
projeto de fusão das Universidades Clássica e Técnica de Lisboa em termos simultaneamente
apaixonados e de grande sentido estratégico. Denunciou pelo meio a deriva “austeritarista”
de desvalorização das artes, das humanidades e das ciências sociais em geral determinada
por uma perspetiva reducionista do contributo do conhecimento para o
crescimento económico. Combateu a burocratização que inunda progressivamente a
Universidade, geradora de um novelo de inércias e inépcias de todo o tipo. Assumiu-se
como adversário acérrimo do pensamento atávico que vê o papel do País reduzido
a um papel de intermediação, perdendo a ambição de sermos produtores de
conhecimento. Denunciou os que tendem a projetar a mudança apenas para os
outros, rejeitando-a para si próprios.
Gostaria de ter
trabalhado numa Universidade com pensamento desta grandeza a dirigi-la. Não
aconteceu. Mais uma perda que reconheço como irreversível.
Em posts seguintes,
comentarei mais de perto a conferência de Paul De Grauwe, já hoje
abundantemente reconhecida pelos media.
Por hoje, duas
pequenas notas extraídas da fase de perguntas e respostas.
Primeiro, em resposta
ao Embaixador alemão presente na sala, De Grauwe referiu que não compreendia porque
é que a Alemanha não estava a aproveitar o financiamento a prazo de 10 anos a
taxas inferiores a 1% para se financiar e introduzir uma dinâmica de
investimento crucial para assegurar focos de compensação ao ajustamento severo
das economias sob resgate ou por ele ameaçadas. Só uma falta de imaginação de
grande amplitude explicaria a não identificação de projetos com rendibilidades
seguramente superiores a esse baixo custo de financiamento.
Segundo, numa
interpelação final, o jornalista Ricardo Costa procurou encontrar da parte de De
Grauwe uma abordagem ao caso português que o conferencista tinha sempre
equacionado no âmbito mais geral das economias do sul. Na troca de palavras que
aconteceu e face a uma referência de Ricardo Costa ao ministro Vítor Gaspar, De
Grauwe referiu que era seu amigo, mas que não era seu conselheiro. Ao que Ricardo
Costa respondeu, com gargalhada geral da circunspecta assembleia, que Vítor
Gaspar era também nosso amigo e que também não lhe dávamos conselhos.
Uma nota final para as
últimas palavras de De Grauwe: se queremos preservar o euro, teremos de saber
construir um novo país, a Europa. Esta alternativa continua a desprezar a
possibilidade de construção de um novo sistema, indo ao baú das mais profundas
convicções de Keynes, baseado no respeito de moedas nacionais e na criação de
uma moeda comum apenas para as relações internacionais.
Sem comentários:
Enviar um comentário