A visita de Frau
Merkel concretizou-se sem que aparentemente se antevejam grandes consequências
práticas da sua passagem por Portugal. E não foi só o ritual de segurança. A
encenação foi outra. Tudo se passou como se a aplicação do memorando de
entendimento evoluísse no melhor dos mundos e o primeiro-Ministro apressou-se
mesmo a concluir que o país concretizou em dois anos o que se esperava que
levasse seis. Um ritual cerimonioso, laudatório da ação do Governo, com um guião
anunciado, que não contribui rigorosamente nada para o impasse político em que
a situação interna portuguesa se está a enrodilhar.
Chamar-lhe-ia
negacionismo patético, porque ignora a dimensão e incerteza da crise europeia e
sobretudo a alteração radical das condições em que o memorando de entendimento
foi anunciado. Ignorando essa dimensão, ignora inevitavelmente as consequências
do abrandamento da economia europeia sobre o próprio programa de ajustamento da
economia portuguesa. Por conseguinte, uma visita calculista, determinada pelo
tempo político da chanceler e não por qualquer outro motivo de impulso de
melhores condições para o ajustamento em curso.
Tão patético como o
foram as considerações macias do bem prega Marcelo Rebelo de Sousa (MRS), seja
comentando as desventuras do filme que promoveu sobre o desagravo nacional para
alemão ver, seja anotando ele próprio a necessidade de uma reconsideração dos
pressupostos do memorando a partir da recessão europeia anunciada. Que MRS só
agora tenha descoberto o que há muito outros anteviam, ou seja que conceber
programas de consolidação orçamental para as economias do sul não entrando em
linha de conta com a situação global europeia constitui um erro de palmatória,
já não me espanta. A sua argúcia política não tem equivalente na sua literacia
económica, que é vulgar, muito vulgar. O que me espanta é MRS reconhecer essa
contradição e impossibilidade e, mesmo assim, limitar-se a invocar macia e
bondosamente a necessidade de novos termos de aplicação do memorando sem
qualquer mediação política para o fazer. Com quem concretizar esses novos termos
da negociação? Com o atual governo? A encenação da visita de Frau Merkel
inviabiliza quaisquer veleidades de acreditar nessa solução.
Assim sendo, parece
que teremos de esperar pelas primeiras evidências da incapacidade de aplicação
do orçamento de 2013. Não é brilhante e sair-nos-á do corpo.
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